Consórcios internacionais de pesquisa e inovação

por , | abr 1, 2022 | Artigos | 0 Comentários

É impossível conceber o mundo de hoje sem pensar nas tecnologias, na ciência e nas inovações. Estas atividades são vitais para a nossa sociedade e estão cada vez mais vinculadas, de forma que instituições do mundo inteiro constantemente se unem para realizar grandes projetos. 

Essa união muitas vezes se dá por meio de consórcios internacionais. Mas o que é isso? À associação de várias empresas unidas por meio de um contrato, com um objetivo em comum, dá-se o nome de consórcio de empresas. Por estarem unidas contratualmente, essa associação de empresas não funda uma terceira instituição, e os sócios compartilham bens e recursos financeiros para que a execução do projeto ou empreendimento em comum obtenha sucesso.

No entanto, você já parou pra pensar nas dificuldades de se desenvolver e manter um projeto que funcione em diferentes países? Será que os benefícios de um consórcio internacional superam os desafios?

Vamos entender melhor esta situação com base no artigo “Internacionalización de la Investigación y Innovación, Consorcios y Alianzas Estratégicas”, de Guillermo Palao Moreno, catedrático em Direito Internacional da Universidade de Valência, Espanha.

 

Consórcios internacionais

 

A criação de alianças – muitas vezes na forma de consórcios – entre universidades, centros de pesquisa, parques científicos e tecnológicos e empresas privadas (geralmente do setor produtivo), têm se tornado cada vez mais comuns e impulsionado o mercado mundial.

Por conta disso, diversas iniciativas mundiais têm encorajado a criação de consórcios internacionais. As motivações por trás de tal impulso são variadas, mas provavelmente relacionadas aos muitos benefícios proporcionados pelos consórcios. Essa forma de associação também oferece diferentes oportunidades em situações internacionais, tanto para as empresas públicas ou privadas, quanto para o resultado final do projeto articulado.

 

Benefícios dos Consórcios

 

Por meios dos consórcios internacionais, começar um grande projeto tornou-se uma tarefa relativamente mais simples e flexível. Somado a isso, a transferência de tecnologias entre as empresas do consórcio é muito mais fácil, assim como o aproveitamento dos pontos fortes e especializações dos membros do grupo.

Da mesma forma, o compartilhamento de recursos e conhecimentos, assim como a experiência internacional vivenciada pelas equipes, ampliam o acesso a novas oportunidades de financiamento, sendo elas tanto propostas públicas quanto privadas

Além disso, por ser uma iniciativa internacional, torna-se muito mais fácil para o consórcio competir no mercado mundial. Ao aumentar a visibilidade da divulgação dos resultados inovadores ou das pesquisas realizadas pelos participantes, os consórcios favorecem também a chegada de novos produtos, serviços e conhecimentos aos países de origem dos membros da associação.

Os benefícios dos consórcios são muitos e inegáveis. No entanto, para além das vantagens, muitos obstáculos se fazem presentes até que a realização do consórcio seja efetivada, principalmente por se tratarem de contratos firmados em países diferentes.

 

Desafios na criação de Consórcios Internacionais

 

Um dos primeiros e mais importantes obstáculos aos consórcios internacionais é a incerteza quanto às empresas que farão parte do contrato. É importante que se faça um estudo das futuras empresas parceiras, especialmente no quesito experiência prévia em contratos internacionais. Essa seleção, baseada em competência e confiança, trará parceiros mais apropriados para o consórcio.

Conflitos relacionados a diferenças linguísticas também são comuns de acontecer em consórcios internacionais, mesmo que em muitos casos se utilize o Inglês como língua de referência. Somado a isso, há também diferenças culturais que podem ocasionar empasses quanto à gestão ou às atividades empresariais. Dessa forma, diversas precauções devem ser tomadas desde a fase de negociação pré-contratual

Como tentativa de diminuir esses conflitos, antes de firmarem o contrato, as empresas consorciadas devem concordar em alguns pontos como a gestão e a tomada de decisões dentro do consórcio; o regime de responsabilidade – ou os direitos e deveres dos membros do consórcio –; e a maneira com que os resultados do projeto serão geridos e explorados. É importante também que os membros do consórcio se atentem para as incertezas provocadas pelas diferentes legislações, tanto as leis internacionais como as dos próprios países de origem das empresas consorciadas.

Portanto, dada as complexidades de se firmar um contrato de consórcio internacional, os cuidados e a atenção direcionada ao acordo devem ser levados em consideração por seus participantes nas diferentes fases de negociação, execução e monitoramento.

 

Contratos de Consórcio

 

Guillermo Palao Moreno explica que o contrato de consórcio não é visto com frequência no direito espanhol e que, por não ter um regulamento próprio, muitas vezes é complementado ao longo do processo, aumentando o grau de complexidade desse tipo de associação.

Os contratos de consórcio são dos mais variados, podendo ser simples – como contratos de licença ou franquias – ou complexos – como os contratos associativos de empresas que transferem, compartilham ou geram conhecimentos. Nos casos internacionais, as opções de contrato mais frequentes são a criação de consórcios ou de acordos joint venture.

Assim como o consórcio, um joint venture é um acordo comercial onde empresas que desejam expandir seus negócios, ou realizar atividades em conjunto com outras empresas, se associam visando o aumento de lucro ou a redução dos custos para a concretização do projeto. No entanto, é importante diferenciar os contratos que nasceram por meio de uma licitação ou de uma convocação pública internacional, dos contratos realizados por meio de incentivos privados

Os consórcios financiados por entidades privadas podem ter mais liberdade de ação do que os financiados por órgãos públicos. Neste caso, as entidades públicas podem oferecer um modelo de contrato próprio e impor que o consórcio siga suas leis, limitando a liberdade das empresas.

 

Negociações

 

Geralmente, antes de se formalizar um contrato de consórcio, há uma fase pré-contratual em que se verificam as regulamentações de cada país, assim como deixa-se claro o objetivo da associação. Isto ocorre por meio de cartas de intenção, memorandos de entendimento e acordos de confidencialidade.

A definição e formalização das cláusulas do contrato dependem do tipo de financiamento, seja ele público ou privado, que o consórcio receberá. A entidade financiadora do projeto pode escolher a estrutura do contrato e, no decorrer das atividades, pode firmar outros subcontratos com cada uma das empresas membros da associação.

Dessa forma, nos contratos de consórcios geralmente há cláusulas sobre os objetivos, a manutenção do sigilo e a duração do acordo. Há também um detalhamento sobre a coordenação do projeto e a distribuição das funções de seus membros, além de um orçamento para a realização do objetivo do consórcio.

Caso o consórcio seja bem sucedido, a fase seguinte de execução e comercialização dos frutos do acordo também é regulada, assinando contratos de licença ou, por exemplo, cedendo franquias. Essa parte será bem importante no cenário internacional, pois irá definir a distribuição dos royalties às empresas membro e também protegerá o consórcio em casos de desrespeito aos direitos de propriedade intelectual.

 

Resoluções de conflitos

 

O consórcio se provou uma opção viável e flexível, contando com muitos benefícios. Contudo, os riscos dessa operação não devem ser ignorados. Como visto, a internacionalidade do contrato pode provocar conflitos advindos das mais diversas naturezas. Um exemplo é a incerteza quanto à regulamentação a qual o consórcio está submetido.

Nos contratos firmados deve haver cláusulas sobre a resolução de eventuais conflitos e litígios, que são de grande importância para que a realização do consórcio ocorra de maneira juridicamente segura. Para fazer esta regulação, as empresas consorciadas podem escolher tribunais de determinado país onde um dos membros reside, ou também escolher uma forma complementar de proteção, como a mediação ou a arbitragem feitas por uma terceira entidade.

É comum que os contratos firmados sejam baseados em modelos pré-definidos. O modelo de contrato de consórcio elaborado pelo Grupo de Trabalho de Projetos Colaborativos das Universidades RedOTRI, por exemplo, tem sugestões de formas de resolução de conflitos na cláusula 24.

No modelo mencionado, é preferível que os membros em conflito se resolvam amigavelmente. No entanto, caso não seja possível um acordo entre as partes, o contrato sugere que as empresas conflitantes renunciem aos foros que as representam e se submetam a um terceiro foro imparcial.

Os modelos de contrato geralmente buscam soluções amigáveis para os conflitos. No entanto, esta não é a única saída para impasses dentro dos consórcios. O Acordo de Consórcio Modelo DESCA 2020, por exemplo – na seção 11.8, chamada de Solução de controvérsias –, sugere a mediação ou a arbitragem. Essas ações podem ser realizadas nos Tribunais de Mediação e Arbitragem da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WOMI) ou na Câmara de Comércio Internacional (ICC), assim como em qualquer tribunal escolhido pelos membros do consórcio.

 

Regulamento “Roma I”

 

É de grande importância que as empresas mantenham sua autonomia dentro do consórcio, especialmente quando se trata de um consórcio internacional. Segundo o modelo do artigo 81° do Tratado Operacional da União Europeia, o Regulamento (CE) nº 593/2008 – também conhecido como Regulamento “Roma I” – possibilita às empresas incorporar as legislações que julgarem convenientes de seus respectivos países como cláusulas do acordo de consórcio, assim como torná-las normas reguladoras do contrato.

Sobre essa escolha de leis nacionais para regulamentação dos consórcios internacionais, o artigo 3° do Regulamento “Roma I” permite que os sócios separem as normas do contrato e as sujeitem a diferentes legislações, sem que a coerência interna seja perdida. No entanto, o artigo 3° só se refere às leis estatais, não aos costumes e práticas comuns utilizados nos contratos

Dessa forma, os membros do consórcio não poderiam, por exemplo, se utilizar de uma legislação não estatal, como a Lex Mercatoria. Moreno explica que este fato não impede que o consórcio incorpore referências dessas leis nas suas cláusulas contratuais, podendo usar de sua autonomia para tal. 

Esse processo de se escolher leis estatais para compor o quadro regulatório de um consórcio, além de ser comum, é bastante recomendado porque garante maior segurança jurídica para as empresas. No entanto, pode acontecer que alguns membros do consórcio não aceitem as leis propostas pelas outras partes. Quando isso acontece, o artigo 4° do Regulamento “Roma I” leva a legislação para o país onde o coordenador do consórcio reside, a menos que haja outra lei mais importante para a organização, como a legislação do país onde a entidade financiadora ou coordenadora reside.

O Regulamento “Roma I”, em seu artigo 9°, também direciona a regulamentação de aspectos muito importantes de um consórcio, como os direitos de propriedade intelectual sobre os resultados dos projetos realizados, assim como sua exploração futura; a regulação da livre concorrência; e as regras administrativas.

 

Consórcios corporativos

 

Para desenvolver e alcançar seus objetivos comuns, o consórcio também pode assumir a forma de uma sociedade corporativa. Isto provoca algumas mudanças no regime de responsabilidade dos membros do consórcio e na forma como os resultados serão manejados, transmitidos e explorados.

A formação de uma sociedade molda uma nova pessoa jurídica que é independente dos membros do consórcio, mas contribui de forma igual no projeto desenvolvido. Como essa nova forma de contrato tem ainda mais complexidade do que o consórcio em si, a corporação internacional formada exigirá mais confiança e experiência das empresas membro.

Por meio da criação de um consórcio corporativo, os sócios conseguem mais recursos para a concretização do seu objetivo. Essa sociedade também permite que as empresas terceirizem serviços que não atuam diretamente no contrato do consórcio, além de possibilitar separar as atividades de pesquisa e inovação da exploração comercial dos resultados.

Além disso, o acordo corporativo possibilita a troca ou o cruzamento entre as ações dos sócios do consórcio. A formação de sociedades é bem vantajosa e pode ser formalizada por meio de qualquer uma das formas jurídicas societárias que a lei permite. Contudo, há três formas mais utilizadas para a composição de sociedades: a criação de uma associação; um acordo joint venture; ou a fundação de um Grupo de Interesse Econômico.

 

As três sociedades mais comuns

 

A criação de uma associação geralmente ocorre porque já estava previsto nas licitações ou editais públicos do consórcio. Dessa forma, a associação será regulada pela legislação do país onde a entidade financiadora reside.

O segundo tipo de sociedade mais comum é a joint venture, também chamada de sociedade anônima. Ela é formada com base em um contrato regido pelo Regulamento “Roma I” e, por meio dessa corporação, há a criação de uma terceira empresa cujos participantes são os diferentes sócios do consórcio. Essa sociedade geralmente tem sua própria personalidade jurídica, mas suas atividades são regidas pelos membros do consórcio.

É muito importante que se decida a nacionalidade da corporação joint venture firmada, assim como outros aspectos contratuais que devem ser considerados como, por exemplo, os termos em que se darão a constituição, a dissolução e a extinção da sociedade, além do orçamento disponível e os acordos de confidencialidade.

A terceira forma de corporação é o Grupo de Interesse Econômico, que não é tão comum quanto as outras modalidades, mas é tão importante quanto. Moreno explica que quando essa união ocorre entre empresas internacionais europeias, a corporação se torna um Agrupamento Europeu de Interesse Econômico (AEIE).

Uma AEIE é criada para tornar mais fácil o desenvolvimento econômico dos associados e favorece a cooperação de diversas áreas no campo internacional, se comportando como os consórcios de exportação.

 

Os consórcios e a união de empresas internacionais

 

A criação de um consórcio – seja ele contratual ou societário – oferece muitos benefícios para as empresas participantes. No entanto, os riscos e obstáculos encontrados no caminho para a concretização de um acordo como esse são tão grandes quanto a dimensão internacional. Por conta disso, é sempre recomendável se utilizar de aconselhamento jurídico e procurar empresas parceiras com experiência na área.

Como vimos, a escolha da regulamentação do acordo de consórcio, embora complexa, é de extrema importância para o sucesso do empreendimento, principalmente no quesito resolução de conflitos.

A escolha de se firmar um consórcio internacional de base corporativa é uma decisão tão arriscada quanto, que demanda maior confiança, seriedade, compromisso e experiência dos sócios.

 

Quer saber mais?

Leia o artigo “Internacionalización de la Investigación y Innovación, Consorcios y Alianzas Estratégicas”, de Guillermo Palao Moreno, na íntegra, clicando aqui.

XVII Seminario Internacional de Propiedad Intelectual y Sociedad de la Información – Mesa 2

Mesa 7 – Resolução de conflitos de Propriedade Intelectual

Leia outros artigos do Professor Guillermo Palao Moreno, clicando aqui.

Sobre o escritor

Guillermo Palao Moreno é catedrático de Direito Internacional da Universitat de València – Espanha.É membro do Grupo de Investigação I+D em Mediação e Arbitragem (MedArb).  É Membro Associado da IACL/AIDC (International Academy of Comparative Law) e Membro da AEPDIRI (Asociación Española de Profesores de Derecho Internacional y Relaciones Internacionales). Moreno também é membro dos Centros de Mediação e Arbitragem da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual) e da Câmara de Comércio de Valência.

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