Inteligência Artificial e o uso não autorizado de voz.
Apelação Cível nº 1119021-41.2023.8.26.0100
Apelante: Igor Lott Zeger Belkind
Apelado: Associacao dos Lojistas do Shopping Jardim Analia Franco
Comarca:São Paulo
Juiz 1º Grau: Caramuru Afonso Francisco
Voto nº 23.678
APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – USO NÃOAUTORIZADO DE VOZ – INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL – Sentença que julgou improcedente a demanda – Insurgência do
autor – Cerceamento de defesa constatado – Demanda que pede a
remoção de conteúdo publicitário produzido com uso indevido da
voz do autor, que é locutor – Apelada que comprovou ter utilizado
voz gerada por Inteligência Artificial – Tecnologias de IAgenerativa que se servem de bancos de dados prévios – Possibilidade de cometimento de plágio e violação a direitos da
personalidade ao utilizar-se de IA generativa – Dever de cuidado – Responsabilidade do usuário do software de IA, bem como do
desenvolvedor – Recorrência das ações que apenas comprova que
a IA está gerando voz similar à do autor, não afastando a
probabilidade de se tratar rigorosamente da mesma voz – Necessidade de realização de prova pericial – Sentença anulada – Recurso provido.
Para uma melhor compreensão do conceito de Inteligência Artificial e da análise jurídica do caso, veja a integra do acórdão prolatado na Apelação Cível nº 1119021-41.2023.8.26.0100 – Voto nº 23.678.
O conceito jurídico de Inteligência Artificial entabulado no acórdão.
A Inteligência Artificial (IA) é um campo da ciência da computação que se dedica ao desenvolvimento de sistemas e tecnologias capazes de realizar tarefas que, tradicionalmente, requerem inteligência humana, como reconhecimento de voz, tomada de decisões, aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural. O acórdão da Apelação Cível nº 1119021-41.2023.8.26.0100 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo oferece uma perspectiva relevante sobre a aplicação da IA, especialmente no que tange à sua utilização em contextos que envolvem direitos da personalidade e responsabilidade civil.
No contexto do acórdão, a IA é abordada como uma ferramenta que pode gerar conteúdos, incluindo vozes e textos, a partir de bancos de dados prévios. A IA generativa, em particular, utiliza algoritmos para criar novos conteúdos com base em padrões aprendidos a partir de dados existentes, sendo capaz de simular características humanas, como a voz. Essa capacidade levanta questões sobre a originalidade e a autoria dos conteúdos gerados, uma vez que o uso de IA não elimina, mas agrava os riscos de violação de direitos de terceiros. A possibilidade de que a IA gere vozes ou textos que imitam a de indivíduos específicos sem a devida autorização pode resultar em plágio e em violação de direitos da personalidade, como o direito à imagem e à voz. O acórdão enfatiza a necessidade de um “dever de cuidado” por parte dos usuários e desenvolvedores de tecnologias de IA, que devem assegurar que suas aplicações não infrinjam direitos alheios.
A responsabilidade civil no contexto do uso de IA é um tema central no acórdão. A empresa que utilizou a tecnologia para gerar uma voz similar à de Igor Lott Zeger Belkind não pode se eximir de responsabilidade apenas pelo fato de ter utilizado uma ferramenta de IA. O acórdão sugere que tanto o desenvolvedor do software quanto a empresa que o utiliza têm a obrigação de garantir que não estão infringindo direitos de personalidade. A falta de diligência nesse aspecto pode resultar em consequências legais, incluindo a obrigação de reparar danos. Os direitos da personalidade, que incluem o direito à voz, imagem e integridade moral, são protegidos pela legislação brasileira. O acórdão reafirma que o uso não autorizado da voz de uma pessoa, especialmente em contextos publicitários, pode constituir uma violação desses direitos. A proteção da personalidade é um princípio fundamental do direito civil, e a utilização de IA para reproduzir características pessoais sem consentimento pode ser considerada uma afronta a esses direitos.
A análise do acórdão revela que a Inteligência Artificial, enquanto ferramenta inovadora, traz consigo uma série de desafios legais que precisam ser abordados com seriedade. A intersecção entre tecnologia e direito exige que tanto desenvolvedores quanto usuários de IA estejam cientes das implicações legais de suas ações. O dever de cuidado, a responsabilidade civil e a proteção dos direitos da personalidade são aspectos cruciais que devem ser considerados na utilização de tecnologias de IA, especialmente em um mundo cada vez mais digitalizado e interconectado. A jurisprudência, como demonstrado no acórdão, desempenha um papel vital na definição de limites e responsabilidades no uso dessas tecnologias emergentes.
Por outro lado, cabe aqui lembrar que, a questão do uso da Inteligência Artificial Generativa para midias publicitárias já tem sido observada no mercado com a divulgação de campanhas publicitárias como ocorreu no caso da cantora Elis Regina, na qual houve o concentimento da família.
Análise jurídica do caso.
A análise jurídica do caso de Igor Lott Zeger Belkind, que envolve o uso não autorizado de sua voz por uma empresa utilizando tecnologia de inteligência artificial (IA) para a elaboração de material publicitário, pode ser estruturada em vários pontos principais:
1. Direitos da Personalidade
Igor Lott Zeger Belkind, como locutor, possui direitos da personalidade que incluem o direito à imagem e à voz. O uso não autorizado de sua voz para fins publicitários pode ser considerado uma violação desses direitos, conforme previsto no Código Civil Brasileiro, especialmente nos artigos que tratam da proteção da imagem e da voz como aspectos da personalidade.
2. Uso de Inteligência Artificial
A tecnologia de IA utilizada pela empresa para gerar uma voz similar à de Belkind levanta questões sobre a responsabilidade do desenvolvedor e do usuário do software. A IA generativa, que se baseia em bancos de dados prévios, pode criar conteúdos que imitam vozes humanas, mas isso não exime a empresa de sua responsabilidade legal. A utilização de IA para reproduzir a voz de uma pessoa sem autorização pode ser vista como uma forma de plágio ou violação de direitos autorais, dependendo do contexto.
3. Cerceamento de Defesa
Belkind argumentou que houve cerceamento de defesa, pois não foi permitida a comparação da sua voz com a utilizada na campanha publicitária. Esse ponto é crucial, pois o direito ao contraditório e à ampla defesa é garantido pela Constituição Federal. A falta de uma prova pericial que comprove a semelhança entre as vozes pode comprometer a análise do caso e a decisão judicial.
4. Dever de Cuidado
A empresa que utilizou a tecnologia de IA tem um dever de cuidado ao empregar tais ferramentas. Isso implica que deve assegurar que não está infringindo direitos de terceiros ao utilizar vozes geradas por IA. A responsabilidade pode ser compartilhada entre o desenvolvedor do software e a empresa que o utiliza, especialmente se houver negligência na verificação da autorização para o uso da voz.
5. Precedentes e Jurisprudência
A análise de casos anteriores em que houve uso não autorizado de vozes ou imagens pode fornecer um contexto importante. A jurisprudência tende a proteger os direitos da personalidade, e decisões anteriores podem influenciar o resultado deste caso. A multa imposta à Google pela Autoridade de Concorrência da França por descumprir acordos relacionados a direitos conexos pode ser um exemplo relevante de como as autoridades estão tratando questões de uso indevido de conteúdos.
6. Consequências e Reparação
Se a decisão judicial reconhecer a violação dos direitos de Belkind, ele pode ter direito a reparação por danos morais e materiais. A análise da extensão do uso da sua voz e o impacto que isso teve em sua carreira e imagem pública serão fatores determinantes na quantificação da reparação.
A decisão prolatada pelo Tribunal sobre a vexata questio.
A situação de Igor Lott Zeger Belkind ilustra as complexidades legais que surgem com o uso de tecnologias de IA no contexto publicitário. A proteção dos direitos da personalidade, a responsabilidade pelo uso de IA, e a necessidade de garantir o contraditório são aspectos fundamentais que devem ser considerados na análise deste caso. A decisão final dependerá da avaliação das provas apresentadas e da interpretação das normas aplicáveis ao uso de tecnologias emergentes em relação aos direitos individuais.