O QUE É NFT (Non-Fungible Token)?

Direitos autorais e a Tecnologia NFT:
Esculturas imaginárias e Destruição Criativa

Você sabe o que é NFT?
Por acaso, já ouviu falar sobre Non-Fungible Token?
Esse tema tem sido motivo de muito debate no mundo do Direito, e da arte!

Essa nova tecnologia promete mudanças radicais no âmbito do Direito Autoral, mas quais seriam essas mudanças?

Pensando nisso, o IODA.ORG.BR trouxe esse conteúdo exclusivo para você!

 

Um texto de:
Marcos Wachowicz

  • Professor de Direito da Universidade Federal do Paraná – UFPR
  • Coordenador do Grupo de Estudo de Direito Autoral e Industrial – GEDAI

Com a participação de:
Oscar Cidri

  • Mestrando de Direito do PPGD/UFPR
  • Pesquisador do Grupo de Estudo de Direito Autoral e Industrial – GEDAI

Nesse post, nós vamos ver sobre:

 

 

Pronto para começarmos?
Então, vamos lá!

Introdução

Em primeiro lugar você precisa entender que:
NFT, é uma sigla em inglês que significa Non-Fungible Token.
Ou seja, um tipo especial de token criptográfico que representa algo único.

Assim, trata-se de uma nova tecnologia que busca criar algo único no mundo digital.

Isto, diferente das criptomoedas como o Bitcoin e de outros tokens utilitários, os NFTs não são mutuamente intercambiáveis.
Não é uma coisa fungível, como o dinheiro que pode ser trocado por outro.
Por exemplo:
uma cédula de 10 Reais, que pode ser trocada por outra cédula, desde que de mesmo valor.

Os itens infungíveis (non-Fungible), como as obras de arte e objetos raros, são exemplares únicos, não podendo ser substituídos.

A Tecnologia NFT na digitalização de uma Obra de Arte

Uma obra de arte, seja uma pintura ou escultura, é um bem imaterial único e infungível no Direito autoral.

Sendo assim, no Direito um bem fungível é o que você pode substituir ou trocar por outro de igual valor.

Por exemplo:
Uma pintura de Picasso é algo único. Pois, é algo insubstituível.
E o seu desenho ganha um valor econômico pela sua estética e pela sua escassez, por ser o único exemplar da obra.

A digitalização de uma obra de Picasso pode permitir inúmeras cópias digitais.
Porém, com a tecnologia NFT cria-se um tipo de token criptográfico. Esse token representaria esta obra como única. E assim, criando artificialmente uma singularidade digital.

As obras de arte são, sem dúvidas, infungíveis, pois são únicas e insubstituíveis.
Por exemplo, uma pintura da Mona Liza, uma escultura de Michelangelo ou uma sinfonia de Mozart. São obras únicas em seu valor histórico e cultural.

Da mesma forma que um NFT (token não fungível) representa algo específico e individual, e não pode ser substituído.

A tecnologia NFT é usada para criar uma escassez digital verificável.
Assim como propriedade digital e a possibilidade de interoperabilidade de ativos através de diversas plataformas.

Os chamados NFTs são usados em vários aplicativos que requerem itens digitais exclusivos.
Por exemplo, arte criptográfica, cripto-colecionáveis e jogos criptografados.

 

HISTÓRIA

O primeiro uso de NFTs relacionados a jogos foram os jogos de cartas cripto-colecionáveis.
Projetos como Age of Chains e Rare Pepes têm usado o protocolo da Counterparty para emitir cartões de troca de blockchain como NFTs desde 2016.

De lá para cá, começaram novos modelos de negócios na internet. Que com a utilização do NFTs, possibilitam comprovar a autenticidade e a propriedade da arte no ambiente digital.

Foi assim o lançamento do CryptoPunks em junho de 2017.
O lançamento abriu caminho para a arte “rara” no blockchain do Ethereum.
Logo após o modelo do CryptoPunks, o DADA.art foi construído. Então, lançou-se o primeiro marketplace para arte digital rara em outubro de 2017.

NFT e novas questões para os Direitos Autorais

A princípio, o NFT, no mundo das artes, tem sido propalado como um modelo de proteção dos Direitos Autorais no ambiente digital.
E assim, dar garantias de origem no comércio das obras artísticas, bem como maior segurança jurídica aos contratos.

A questão que se coloca, é:
Será que o NFT revoluciona os Direitos Autorais?

Então, temos duas correntes de pensamentos distintos:

  • A primeira: o NFT vai proteger as obras autorais, garantindo a autenticidade e propriedade no ambiente digital.
  • A segunda: o Direito Autoral nada tem a dizer sobre os NFTs, pois seriam apenas uma nova forma de autenticidade e registro.

Diante desta divergência, é necessário compreender com maior profundidade a tecnologia NFT.
Entender, também, os tipos de usos que esta pode ter no mundo das artes, nos museus e nas galerias.

Os Tipos de NFTs utilizados no mundo das artes digitais 

Observa-se que existem atualmente dois tipos básicos de NFTs.
Os dois são distintos em sua essência e no seu custo, o que determina as limitações em sua utilização no mundo das artes digitais:

  • NFT incorporado
  • NFT simples.

O NFT incorporado é quando a obra é digitalizada (quadro, música ou escultura) e carregada e/ou incorporada no blockchain, o que demanda maior custo e gasto energético em sua produção.

O NFT simples, é quando a obra de arte não está digitalizada e nem carregada, sendo este o tipo o mais comum hoje pelo seu baixo custo. 

Assim, neste tipo de NFT simples, seria apenas um certificado de propriedade da obra. 

A tecnologia NFT e as possibilidades de violação de Direitos Autorais

A princípio, sobre a tecnologia de NF: o uso indevido poderá vir a ser caracterizado como uma violação de direitos autorais, nas seguintes hipóteses:

  • Quando se criar um NFT sem autorização do legitimo titular da obra. Como por exemplo: se uma pessoa qualquer pegar uma fotografia tirada por um terceiro, ato contínuo digitalizar criando um NFT sem que o verdadeiro fotografo tenha conhecimento.
  • Quando se criar um NFT de uma obra anteriormente licenciada por Creative Commons, mas a pessoa detentora do NFT por decisão própria ultrapassar os limites da licença.
    A exemplo de uma licenciada inicialmente sem finalidades comerciais ou remuneração, venha a ser objeto de um NFT que desrespeite a licença e comece a auferir lucros. 

Para muitos juristas, a única relação do NFT com o direito autoral seria a caracterização desses usos não autorizados.

A tecnologia NFT um novo suporte digital de fixação da obra de arte

Antes de tudo, a utilização da tecnologia NFT está apenas começando.
Assim, modelos de negócio estão surgindo com o uso mais intenso dessa nova Tecnologia Token não fungível (NFT).

Então, a questão se coloca:
Seria o NFT incorporado um tipo especial de token criptográfico que representaria algo único? Seria ele capaz de se constituir um tipo novo de suporte de uma obra protegida pelo Direito Autoral?

A Lei n. 9.610/98 de Direito Autoral – LDA no seu artigo 7º é bem clara quando estabelece sobre as Obras Protegidas:

  • Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro.

A princípio, podemos concluir que, o NFT incorporado com a obra de arte, deixando de lado a questão dos custos, que poderiam inviabilizar esta prática, seria um novo suporte.
Isto porque, a obra digital teria sido carregada.

Assim, nesta perspectiva inicial, o ato de carregamento de uma obra digital para um determinado NFT seria um novo suporte digital da obra. E, concomitantemente, uma nova forma de registro de autenticidade.

Contudo, analisando com mais profundidade outras formas de uso, a resposta poderia ser completamente distinta. 

Como por exemplo:
Quando se tratar de uma digitalização de uma obra analógica, como um quadro de Picasso, uma vez digitalizado carregado pelo blockchain, o NFT seria considerado como uma reprodução.

O uso abusivo da tecnologia NFT para criar escassez

A princípio, as novas tecnologias digitais possuem como característica:

  • infindáveis potencialidades de criação e difusão de obras intelectuais, através da própria INTERNET.

Disponibilizando e tornando acessível, por meio de aplicativos, uma base de dados, que a cada dia se ampliam numa velocidade surpreendente.

Cada conquista tecnológica é acompanhada do surgimento de novos desafios para o Direito.
Isto acontece desde a invenção da impressão gráfica com os tipos móveis por Gutenberg. Sem dúvidas, o surgimento desta nova tecnologia trouxe novos contornos à propriedade intelectual, mais especificamente na tutela jurídica dos direitos do criador da obra. 

Estas conquistas tecnológicas estimularam o surgimento de Tratados Internacionais norteadores de legislações estrangeiras.
Como também do direito brasileiro, que sempre tiveram como norte, a proteção das obras de arte. Pois, são fruto da exteriorização do intelecto humano fixadas em qualquer tipo de suporte.

NFT e Esculturas Imaginárias

A tecnologia NFT, no mercado da arte, tem protagonizado casos inéditos envolvendo leilões de obras imaginárias.

Por exemplo, o caso do artista Salvatore Garau. Salvatore registrou uma escultura imaterial (sem existência física). Ou seja, somente uma concepção abstrata, ainda no plano puramente das ideias.

io sono salvatore garau nft escultura

Ato contínuo a escultura imaginária denominada “Io sono”, de Salvatore Garau foi registrada em abril de 2021 como um tokens não fungíveis (NFTs).
A descrição indica ser necessário um espaço livre de aproximadamente 150cmx150cm de uma obra invisível. Sim, uma escultura intangível pelos sentidos.

Escultura imaterial nft é vendida por mais de R$ 90 mil salvatore garau
Fotografia da escultura Io sono de Salvatore Garau.

A escultura imaginária foi a leilão pela Galeria Art-Rite de Milão.
E foi arrematada pelo valor de 15 mil euros. Uma obra sem existência física (área marcada com fita adesiva no chão) teve assim sua comercialização por meio de NFTs. 

É preciso deixar claro que:
o Direito Autoral protege as obras intelectuais expressas fixadas em qualquer suporte.

Assim, as relações de equivalência entre a expressão intelectual da ideia do autor e a obrigatoriedade de fixação é que está na origem da tutela jurídica autoral.
Em outras palavras, a obra de arte se vincula a sua existência para ser protegida.

A ideia em abstrato ou a sua mera concepção sem a obra em si está fora do alcance de proteção pelo Direito Autoral. 

 

Portanto, no caso do NFT da Escultura Imaginária, este, está fora do âmbito do Direito Autoral. Com base no estabelecido pela legislação brasileira (art. 7º da Lei n. 9.610/98 – LDA), alinhada ao tratamento internacional para a tutela da obra de arte. Ou seja, que desde a Convenção de Paris (1883) estabelece o caráter imaterial do bem intelectual distinto de qualquer forma física que lhe dê suporte.

Por outro lado, outra questão pode ser aventada.
A Escultura Imaginária, enquanto ideia em abstrato ou mera informação (não sendo tutelada pelo direito Autoral) pode ser apropriada de forma privada num tipo especial de token criptográfico que representa algo único num NFT?

A resposta é não.
Pois, a informação é de livre fluxo e a ideia em abstrato não possui proteção.
Mesmo registrada num NFT, será sempre uma informação que está dissociada de uma estrutura jurídica que torne possível assegurar qualquer tipo de tutela. Seja ela, direta ou indireta de distribuição de royalties, com base em smart contracts

Ou seja:
A informação ou a ideia em abstrato da obra de arte sem a materialidade de sua expressão é de livre fluxo. Não podendo ser restrita ou apropriada por meio de uma nova tecnologia que venha criar artificialmente algo único como um NFT.

NFT e Destruição Criativa

A tecnologia NFT, recentemente protagonizou, no mercado da arte, outro caso inédito de repercussão internacional. 

O Grupo Unique One, comprou num leilão uma obra de arte original de Pablo Picasso conhecida como “Fumeru V”. E então, divulgou pelas redes sociais cenas e vídeos da destruição deliberada da obra. Tudo isso para que fossem criados dois NFTs:

  • um representando a peça original antes que fosse queimada;
  • outro, representando os restos incinerados da peça.
Coletivo artístico queima rascunho original de Picasso e "eterniza" obra no blockchain (Imagem: Reprodução/YouTube)

O ato, chamado de “Destruição Criativa”, foi registrado pelo coletivo como sendo “The Burned Picasso”.

A ideia inicial era criar apenas um NFT. Porém, como nas cinzas da peça de Picasso mantiveram uma imagem do desenho, resolveram criar o segundo NFT adicional:

As questões se colocam:

  • O que é destruição criativa?
  • O ato deliberado de destruição de uma obra de arte, enquanto manifestação artística é ultrajante ou genial?
  • A tutela jurídica da obra autoral pode proteger contra tal tipo deliberado de destruição?
  • A destruição de uma obra atinge o patrimônio cultural de uma nação?

Destruição Criativa

Em primeiro lugar, é preciso que se esclareça que a expressão “Destruição Criativa” é um conceito econômico. Que nada tem a ver com processos criativos na arte.

A expressão Destruição Criativa é um conceito criado por Joseph Schumpeter. O conceito se popularizou nos anos de 1950, dentro do contexto do pensamento econômico do neoliberalismo e do neoconservadorismo.
Como um processo de destruição criadora que seria o fato essencial do capitalismo.

Schumpeter entendia que:
Para a superar um ciclo econômico ou um paradigma técnico no mercado, o processo de superação aconteceria através da falência de diversas empresas, setores e iniciativas. Tal destruição faria com que surgissem novas criações e inovações.

O ato deliberado de destruição de uma peça de Picasso extrapola seus direitos como proprietário.
Pois, viola os direitos morais que o autor possui sobre a sua obra. Os quais são irrenunciáveis e inalienáveis a teor do artigo 24 da LDA.

O Direito de Integridade que o autor possui sobre sua obra, consiste na possibilidade de se opor contra quaisquer alterações não autorizadas. Desde que tais alterações reflitam sobre a sua pessoa, atingindo sua própria honra.

Exemplo

Uma obra fotográfica protegida, não poderá ser reproduzida se não tiver em absoluta consonância com o original. Salvo prévia autorização do fotografo.
Assim, uma fotografia não poderá ser recortada ou deformada para eventual utilização numa capa ou num site, conforme o artigo 79 da LDA.

No caso do desenho de Picasso, a integridade da obra foi violada. Sem expressa autorização do pintor ou de seus herdeiros, sendo o desenho queimado e deformado. Isso, somente para a criação de NFTs.

A dimensão pública da obra de Picasso extrapola o objeto físico em que ele foi expresso.
Isso, na medida que ela está incorporada ao patrimônio cultural de uma nação. Que também, por este prisma, merece uma proteção.
Imaginar que uma pintura como Guernica de Picasso, viesse a ser queimada como uma manifestação artística de uma destruição criativa, seria uma barbárie cultural.

Tal ato seria, para além da violação dos Direitos Morais do Autor, um delito contra o patrimônio cultural da nação espanhola.
Pois, Guernica é uma das mais famosas pinturas não só de Picasso. Ela também é uma obra central do movimento cubista. E além disso, reveladora de todo um significado cultural dos efeitos da guerra espanhola no século XX.

A expressão de Destruição Criativa não se aplica ao ato de queimar deliberadamente uma obra de arte. Nem se justifica no contexto do pensamento econômico de Schumpeter:
pois tal destruição da peça de Picasso não faz surgir novas criações e inovações.

Considerações finais

As obras intelectuais são tuteladas como criações artísticas expressas e fixadas em um suporte.
O ato de criação de um NFT deve ser um instrumento tecnológico que auxilie a proteção da obra autoral. Tal como uma nova forma de registro de autenticidade.

Por certo, novos usos desta tecnologia de NFTs ainda surgirão. E com isso, criando novas modalidades de exploração econômica das obras de arte, sem que implique a destruição da obra.
Pois, deverão ser balizadas pelas normas jurídicas internacionais e nacionais existentes. E assim, propiciar segurança jurídica aos autores.

A tecnologia de tokens NFT não pode ser apenas uma forma criar uma artificial de escassez para buscar vantagens econômicas. Seja para receber royalties de obras inexistes, destruídas ou imaginárias.

A tecnologia de tokens NFT não pode ser apenas uma forma criar uma artificial de escassez para buscar vantagens econômicas. Seja para receber royalties de obras inexistes, destruídas ou imaginárias.

Marcos Wachowicz Autor
Publicado em 23/07/2021
Atualizado em 06/12/2024
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