Gestão Coletiva de Direito Autoral Divergência sobre o Método de Aferição da Receita
EMENTA: GESTÃO COLETIVA DE DIREITO AUTORAL DIVERGÊNCIA SOBRE O MÉTODO DE AFERIÇÃO DA RECEITA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. DEMANDA AJUIZADA POR PROMOTORAS DE EVENTO (SHOW ARTÍSTICO) EM DESFAVOR DO ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO – ECAD. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO RÉU. 1. SHOW AO VIVO. NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO PRÉVIO DO DIREITO AUTORAL OU OFERTA DE “GARANTIA MÍNIMA” CORRESPONDENTE A 30% DO VALOR FINAL DEVIDO, COM POSTERIOR COMPLEMENTAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 68, §§4º E 5º DA LEI N. 9.610/1998 E DO REGULAMENTO DO ECAD. 1.1. REGRAMENTO DO ESCRITÓRIO CENTRAL QUE PREVÊ O IMPORTE FINAL DE DIREITO AUTORAL, EM CASO DESTE JAEZ, EM 15% DA RECEITA BRUTA OBTIDA, COM DESCONTO DE 1/3. TOTAL DEVIDO QUE RESULTA, PORTANTO, EM 10% DO MONTANTE FATURADO COM O SHOW. 2. DIVERGÊNCIA SOBRE O MÉTODO DE AFERIÇÃO DA RECEITA BRUTA. 2.1. AUTORAS QUE ESTIMARAM O VALOR COM BASE NOS INGRESSOS POSTOS À VENDA, CONSIGNANDO O IMPORTE DE GARANTIA MÍNIMA (30% DO TOTAL A SER PAGO). RECOLHIMENTO, APÓS O SHOW, DA COMPLEMENTAÇÃO, COM BASE EM BORDERÔ INDICANDO O FATURAMENTO. 2.2. ECAD QUE, POR SUA VEZ, CALCULA O MONTANTE COM FUNDAMENTO NA CAPACIDADE DE LOTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE FOTOGRAFIAS E ELEMENTOS PROBATÓRIOS A COMPROVAR QUE O RENDIMENTO DAS AUTORAS NÃO COINCIDE COM AQUELE INDICADO NO BORDERÔ. PROVA TESTEMUNHAL QUE ROBUSTECE O NÚMERO DE PESSOAS PRESENTES, FORNECIDO PELAS AUTORAS. REGULAMENTO DO ECAD QUE EXPRESSAMENTE IMPÕE O CÁLCULO DA RECEITA BRUTA COM BASE NO VALOR EFETIVAMENTE RECEBIDO PELAS PROMOTORAS DO EVENTO. 2.3. ESCRITÓRIO CENTRAL QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS PROBATÓRIO, NA FORMA DO ART. 373, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (ART. 333, II, CPC/73). SENTENÇA MANTIDA. 3. TENCIONADA APLICAÇÃO DAS PENAS DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, POR MODIFICAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. RECHAÇAMENTO. INEXISTÊNCIA DE INDUÇÃO DO JUÍZO A ERRO OU INVERDADES POR PARTE DAS AUTORAS. 4. PLEITEADA CONDENAÇÃO DAS DEMANDANTES AO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA, POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. NÃO ACOLHIMENTO. RÉU SUCUMBENTE. 5. HONORÁRIOS RECURSAIS DEVIDOS, NA FORMA DO ART. 85, §§1º E 11 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 6. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
“Nos termos do artigo 333, incisos I e II, do Código de Processo Civil/1973 (artigo 373, incisos I e II, do NCPC), incumbe ao autor o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito e ao réu a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. o documento elaborado pelo ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, unilateralmente, sem o amparo de contexto probatório, não goza de fé pública, tampouco é suficiente para a aferição da base de cálculo do valor a ser arrecado, sendo, portanto, insuficiente para afastar a validade do relatório de bilheteria do evento apresentado pelo produtor do evento” (TJSC, Apelação Cível n. 0016378-70.2010.8.24.0023, da Capital, rel. Sebastião César Evangelista, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 6-4-2017).
(TJSC, Apelação n. 0500358-36.2011.8.24.0079, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Raulino Jacó Bruning, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 10-06-2021).
Contextualização do julgado.
Divergência sobre o Método de Aferição da Receita no Cálculo de Direitos Autorais em Shows ao Vivo.
O presente caso, proveniente de uma ação de consignação em pagamento ajuizada por promotoras de evento (show artístico), discute a validade do cálculo e a forma de arrecadação de direitos autorais, considerando o método utilizado pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) e a divergência quanto à aferição da receita bruta gerada pela realização de eventos. A demanda tem como foco a aplicação da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998) e os regulamentos internos do ECAD, que regulam a cobrança dos direitos autorais sobre obras musicais utilizadas em eventos públicos, como shows ao vivo e transmissões de áudio.
1. Contextualização dos Fatos
As promotoras de evento ajuizaram ação contra o ECAD, buscando consignação do pagamento relativo aos direitos autorais sobre as músicas tocadas em show ao vivo. O ECAD, por sua vez, estabeleceu os cálculos da receita bruta com base na capacidade de lotação do local do evento, enquanto as promotoras calcularam a receita com base na venda dos ingressos, aplicando uma garantia mínima de 30% do valor total devida. O caso envolve uma divergência sobre qual base de cálculo deve ser considerada correta para o pagamento dos direitos autorais.
2. Questões Jurídicas Envolvidas
As principais questões envolvem a metodologia de cálculo da receita bruta utilizada para fins de pagamento de direitos autorais e a validade do relatório de bilheteira apresentado pelas promotoras do evento.
- Cálculo da Receita Bruta: O ECAD adota a metodologia de cálculo com base na capacidade de lotação do local do evento, enquanto as promotoras basearam seu cálculo nos ingressos efetivamente vendidos. As promotoras defendem que o valor a ser pago deve ser calculado com base no valor efetivamente recebido pelos ingressos, conforme o regulamento do ECAD, o qual exige que o valor da arrecadação seja equivalente à receita efetivamente obtida.
- Prova e Ônus da Prova: Em relação ao ônus da prova, o Tribunal reiterou que, conforme o artigo 373, II, do Código de Processo Civil (CPC), o réu (ECAD) não conseguiu desconstituir o relatório de bilheteira apresentado pelas promotoras do evento. O ECAD, ao apresentar documentos unilaterais, sem amparo probatório, não conseguiu comprovar que o valor devido fosse o indicado pela sua metodologia de cálculo, sendo insuficiente para afastar o relatório de bilheteira das promotoras, que foi corroborado por provas testemunhais.
3. Divergência sobre a Base de Cálculo
A divergência central do caso reside na forma como deve ser calculado o valor devido a título de direitos autorais. Enquanto o ECAD se baseia na capacidade de lotação do local, as promotoras de evento afirmam que a arrecadação deve ser vinculada ao valor efetivamente obtido com a venda de ingressos, uma vez que este é o montante que representa a receita real do evento. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao manter a sentença que favoreceu as promotoras, entendeu que o cálculo do ECAD, sem a comprovação da capacidade de lotação do local e a ausência de outros elementos de prova, não poderia ser aceito.
4. Análise de Precedentes e Regulação do ECAD
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina reafirma precedentes em que se concluiu que a metodologia de cálculo do ECAD deve ser compatível com a realidade econômica do evento, ou seja, a receita obtida pela venda de ingressos. O ECAD deve garantir a transparência e a precisão do cálculo, sendo inaplicável o método de aferição da receita baseado exclusivamente na capacidade de lotação do local, sem considerar os valores efetivos arrecadados.
5. Conclusão e Decisão
O Tribunal, ao analisar o caso, entendeu que a sentença de procedência, que determinou a consignação do pagamento de direitos autorais com base na receita líquida dos ingressos vendidos, estava correta. A decisão foi fundamentada no fato de que o ECAD não conseguiu comprovar que o valor da receita bruta calculado com base na lotação estava em conformidade com a realidade financeira do evento. A sentença foi mantida, e as preliminares de litigância de má-fé e os pedidos de condenação em litigância de má-fé foram rejeitados.
Além disso, o Tribunal decidiu que a multa de 10% sobre o débito, prevista no regulamento do ECAD, não era aplicável, visto que não havia um contrato específico entre as partes que fundamentasse essa penalidade.
6. Implicações Jurídicas
Essa decisão reforça a importância da aplicação das normas sobre a arrecadação e a gestão de direitos autorais, como a previsão de que os cálculos devem ser baseados em dados concretos de receita obtida, ao invés de métodos que possam não refletir a realidade do evento. O caso também destaca a responsabilidade do ECAD em garantir que a cobrança dos direitos autorais seja feita de maneira justa e proporcional, respeitando a transparência e a veracidade dos valores informados pelos produtores de eventos.
Por fim, essa decisão pode servir de referência para outros casos semelhantes, em que se questiona a aplicação de metodologias de cálculo de direitos autorais e a necessidade de comprovação detalhada dos valores devidos.