TJ-SP decide conflito aplicação do supressio e surrectio.

TJ-SP Autoriza Convivência de Marcas entre Pizzarias em Cidades Diferentes: Análise Jurisprudencial Detalhada

A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu, por unanimidade, manter o direito de uma pizzaria de Sorocaba (SP) de utilizar marca idêntica à de um estabelecimento da capital paulista, afastando alegações de uso indevido. O caso, que envolve conflito entre direitos de propriedade industrial e uso anterior de boa-fé, traz importantes precedentes para o Direito Marcário brasileiro.

Fatos do Caso

A ação foi movida por uma pizzaria de São Paulo, titular do registro da marca desde 2016, contra um estabelecimento de Sorocaba que utiliza o mesmo nome desde 1994 – originalmente como franqueada de terceiro, cujo registro foi extinto em 2013. Apesar da extinção do contrato de franquia, a ré manteve o uso da marca sem oposição até 2023, quando a autora ajuizou a ação.

Decisão do TJ-SP: Fundamentação Detalhada

Em decisão unânime, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP estabeleceu importante precedente ao julgar favoravelmente o direito de uma pizzaria de Sorocaba continuar utilizando marca idêntica à de um estabelecimento da capital paulista. O relator, Desembargador Rui Cascaldi, fundamentou a decisão em quatro aspectos jurídicos centrais que merecem análise detalhada.

Primeiramente, destacou-se o uso prolongado e de boa-fé pela ré, que vinha utilizando a marca de forma contínua desde 1994, inicialmente como franqueada e posteriormente de forma independente após a extinção do contrato em 2013. Esse uso histórico por três décadas, sem qualquer oposição, caracterizou claramente a boa-fé objetiva da ré, que não tinha intenção de se apropriar indevidamente da marca alheia. O Tribunal aplicou aqui o disposto no Artigo 129 da LPI, que protege expressamente os direitos dos usuários anteriores que atuam de boa-fé, mesmo sem registro formal.

Outro aspecto crucial foi a inércia da autora, que tinha conhecimento do uso da marca pela ré desde 2017, mas somente ajuizou a ação em 2023. Essa demora de seis anos foi determinante para o desfecho do caso, pois configurou uma aceitação tácita da situação e violou o princípio da razoabilidade processual. A decisão reforça que os direitos marcários não são ilimitados e exigem diligência por parte dos titulares, sob pena de caracterizar os chamados “sleeping rights” (direitos adormecidos).

Distância Geográfica (São Paulo x Sorocaba – 100 km)

A distância geográfica entre os estabelecimentos – cerca de 100 km separando São Paulo de Sorocaba – também pesou decisivamente. O Tribunal entendeu que os estabelecimentos atuavam em mercados geograficamente distintos, com públicos consumidores diferentes, afastando qualquer risco de confusão. Esse entendimento está em perfeita sintonia com o princípio da especialidade relativa previsto no Artigo 124 da LPI, que admite a coexistência de marcas quando há diferenciação territorial suficiente.

Por fim, e não menos importante, a completa ausência de provas concretas demonstrando prejuízo ou confusão por parte da autora foi determinante. O Tribunal foi categórico ao afirmar que a mera identidade nominal não basta para caracterizar violação de direitos marcários – é indispensável comprovar o efetivo risco ao negócio ou à reputação da marca, o que não ocorreu no caso concreto.

Conclusão da Corte

Esta decisão unânime estabelece importante precedente para o Direito Marcário brasileiro, reforçando a primazia da realidade fática sobre formalismos, a função social da propriedade intelectual e a segurança jurídica para pequenos negócios consolidados. O caso serve como alerta para os titulares de marcas sobre a importância da vigilância ativa de seus direitos, e como manual de defesa para estabelecimentos que operam há anos no mercado de boa-fé. A jurisprudência do TJ-SP, neste caso, mostra-se perfeitamente alinhada com entendimentos anteriores do INPI e de outros tribunais sobre convivência de marcas em territórios distintos.

Para acessar a integra do julgado CLIQUE AQUI

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O caso reforça importantes princípios do Direito Marcário: a proteção ao uso anterior de boa-fé (Art. 129 da LPI), a necessidade de comprovação de prejuízos em ações dessa natureza e a possibilidade de coexistência de marcas em mercados geograficamente distintos. A decisão serve como alerta sobre a importância do registro tempestivo e do monitoramento ativo de marcas.

Oscar Carlos Autor
Publicado em 08/06/2025
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