Os fundamentos do Direito de Patente sob uma ótica multidisciplinar
No dia 19 de março de 2022, o Instituto Observatório do Direito Autoral (IODA) aoiou a organização do sétimo encontro virtual dos Ciclos Formativos para debater um assunto pouco comentado, mas muito impactante: o Direito de Patente. A palestrante convidada do dia foi a Dra. Karin Grau-Kuntz, pós-doutoranda pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). O moderador do encontro foi o Professor Marcos Wachowicz, Doutor em Direito pela UFPR.
O evento levantou questões importantes sobre a necessidade de se tratar o tema das Patentes de uma forma multidisciplinar. A Professora Karin Grau-Kuntz optou por uma abordagem mais introdutória, tendo como foco os estudantes da graduação, sem deixar de levantar os aspectos da tutela jurídica do Direito de Patente frente às novas tecnologias bem como do sistema de Propriedade Intelectual.
O Direito de Patente
Com a publicação da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº. 9279/ 1996, LPI), o Direito de Propriedade Intelectual ganhou mais destaque no país. Esta lei vigorou após a publicação do Acordo TRIPS de 1994, cuja regulamentação interferiu nas relações entre pessoas físicas e jurídicas, assim como entre empresas, corporações e governos, tanto em nível nacional quanto internacional.
Dessa forma, a premissa do encontro é o artigo 5º, inciso 29, da Constituição Brasileira, que garante aos autores de inventos industriais o privilégio temporário de se utilizar de suas criações visando ao interesse da sociedade e o desenvolvimento econômico e tecnológico do país.
Para introduzir o tema sobre a definição do que é patente, o Professor Wachowicz cita o jurista Denis Borges Barbosa. Segundo este, algo patenteável seria a formulação de uma solução técnica para um problema de natureza técnica. Assim, uma invenção técnica que resolva um problema de mesma natureza, e que também tenha como objetivo o desenvolvimento tecnológico e econômico, recebe a proteção do Direito de Patente. Outros dois pré-requisitos para receber essa proteção são: se tratar de uma novidade inventiva de aplicação industrial e a sua suficiência descritiva.
Exemplo de caso
Karin Grau-Kuntz se utiliza de um caso sobre pastilhas ou medicamentos para determinada doença que possuíam sabor ruim e eram de difícil mastigação. Portanto, esse medicamento não era facilmente aceito pelas crianças. A solução para este problema seria alguma composição química que tornasse a pastilha mastigável e de sabor agradável, para que assim fosse aceita pelo público infantil.
A professora argumenta que a solução não estava no produto final da pastilha, mas sim na fórmula química responsável por essas novas características. Neste caso, não haveria qualquer violação de patente, mesmo que a nova fórmula tenha sido apenas adicionada à fórmula inicial do medicamento.
Sendo assim, a proteção legal seria aplicada não ao remédio em si, pois ele já existia no mercado, mas sim à nova forma que aquele medicamento tomou a partir de uma solução inventiva. A suficiência descritiva necessária para a concessão da patente entraria justamente na exposição da nova função do produto.
Invenção e informação
Segundo a professora Kuntz, uma invenção é uma solução técnica, e uma solução técnica é informação. Mas quais as características dessa informação? A primeira característica definidora da informação é a ubiquidade. Esta palavra incomum se refere ao fato de a informação ser onipresente, ou seja, estar presente em todos os cantos e não poder ser controlada.
A outra qualidade da informação é a não-rivalidade. Isto significa que, caso seja produzida e divulgada, esta informação irá beneficiar aqueles que a internalizaram, tenham eles contribuído para a sua produção ou não. Além disso, a informação não deve ser desgastada pelo tempo, ou seja, não deve ser perecível.
Karin Grau-Kuntz explica que a informação é um bem público, porque tem valor de uso, mas não valor de troca. Dessa forma, a relação entre o inventor da informação e o receptor desta é marcada por liberdade. Sendo assim, a ideia de que a informação é propriedade do autor, argumento que muitos utilizam, é incorreta, pois a informação é livre.
Perspectiva econômica
A Professora Kuntz afirma que não há como se pensar em Direito de Patente sem adotar uma perspectiva econômica. Principalmente porque esse olhar comercial lançado sobre o produto patenteado ajuda a compreender melhor o propósito do direito de exclusividade garantido pelo Direito de Patente.
Portanto, a lógica por trás das patentes seria a ideia de economia de mercado. Segundo Kuntz, o desenvolvimento de novas tecnologias é desejável pela sociedade, mas este processo requer investimentos. As novas tecnologias, no entanto, são puramente informações e, de acordo com as características da informação citadas anteriormente, devem ser livres e divulgadas.
Dessa forma, o tempo e o dinheiro gastos na pesquisa e produção da nova tecnologia poderiam facilmente ser copiados por outra empresa rival, que receberia os lucros das vendas sem ter investido na etapa mais importante: o desenvolvimento.
Se essa situação se repetisse, não haveria incentivo para produzir novas tecnologias, já que todo o investimento para a concretização da nova informação não seria sequer reposto. Isso é o que os economistas chamam de “falha de mercado”. Mas como se resolveria este erro?
A solução: Direito de Patente
Karin Grau-Kuntz explica que a liberdade da informação é protegida, mas o direito de explorar comercialmente a invenção é concedido ao titular de forma temporária para que não ocorra a falha de mercado e para que os desenvolvedores consigam recuperar os recursos investidos naquela criação.
No entanto, o titular da patente não se torna dono da informação. O único direito que ele recebe sobre o produto patenteado é uma vantagem competitiva comercial. Assim, o inventor pode ir ao mercado comercializar sua informação sem temer os possíveis concorrentes, mas continua sob o risco de conquistar ou não a preferência do consumidor.
Portanto, durante certo período de tempo, o inventor tem uma posição privilegiada no mercado, sendo o único que pode explorar a solução técnica desenvolvida por ele.
Imitação
Uma invenção não surge sem um contexto tecnológico anterior. Em outras palavras, as informações utilizadas para a produção de uma nova informação já haviam sido desenvolvidas antes. Segundo Kuntz, toda solução técnica é produto do desenvolvimento técnico e cultural da sociedade.
A professora deu o exemplo das vacinas desenvolvidas para combater a pandemia de COVID-19. De acordo com ela, a tecnologia de desenvolvimento de vacinas de RNA mensageiro é uma plataforma de tecnologia que foi patenteada pela primeira vez em 1996. Esta invenção também foi o resultado de conhecimentos adquiridos que datam de 1950. Assim, a vacina criada em 2020 foi o resultado de pelo menos 70 anos de pesquisas!
Karin Grau-Kuntz afirma que a habilidade de aplicação prática – ou o know how – deve ser tão desenvolvida quanto a produção de informações, já que de nada adiantaria deter informações sem saber colocá-las em prática. Esse processo também levaria à produção de novas tecnologias.
Dessa forma, a Professora Kuntz afirma que o processo de imitação não deve ser demonizado. Todo titular de patentes seria uma parcela da força técnico-criativa daquela sociedade, mas ainda assim, ocuparia o lugar de uma parte no todo, uma cooperação para atingir um fim maior que é o bem estar social.
Um problema?
O titular da patente está protegido pela vantagem comercial de explorar economicamente sua tecnologia, mas quem garantirá o retorno de seus investimentos será o mercado. Neste cenário, o inventor está sujeito às ameaças comuns do mundo econômico e à necessidade de conseguir a aprovação do consumidor.
O lucro, portanto, não está incluído no Direito de Patente e é uma consequência direta do mercado. No entanto, nem todos os titulares de patentes conseguem prosperar como agentes econômicos e, assim que os direitos exclusivos chegam ao fim, perdem terreno facilmente para outras empresas com mais experiência no mercado ou que vendem mais barato.
A professora Kuntz, que vive na Alemanha há 30 anos, supõe que aproximadamente 80% dos titulares do país desistem de suas patentes nos primeiros cinco anos, ou seja, sucumbem ao mercado e não conseguem prosperar, desistindo do direito exclusivo. Nesse processo há, entretanto, dois interesses opostos: o interesse pessoal do agente econômico de lucrar e o interesse de promover o bem estar social por meio da nova tecnologia.
Esses interesses nem sempre estão em harmonia. A Professora dá o exemplo do Zolgensma, um remédio para atrofia muscular espinhal, que é hoje o medicamento mais caro do mundo. A solução tecnológica foi desenvolvida e está disponível no mercado, mas poucos podem usufruir dela por conta de seu preço elevado.
Sobre a palestrante
Karin Grau-Kuntz é doutora e mestre em Direito pela Ludwig-Maximilians-Universität, em Munique, Alemanha. Kuntz é coordenadora acadêmica do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual (IBPI) e atualmente está no programa de Pós-Doutorado da UFPR, com pesquisa sobre o tema do Direito de Patentes na indústria farmacêutica.
Quer saber mais?
Acesse o link abaixo e confira o encontro completo:
Ciclo Formativo #007 Os Fundamentos do Direito de Patente
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Who said the purpose of copyright is to encourage intellectual works?
Ângela Kretschmann, Karin Grau-Kuntz
Basta acessar o livro gratuitamente: Sociedade Informacional & Propriedade Intelectual