Prompts não são atos criativos protegidos pelo Direito Autoral no México
Em decisão paradigmática, a Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN) do México, no exercício de sua competência constitucional, firmou entendimento no sentido de não atribuir de proteção autoral a Prompts que uma vez utilizados para geração de conteúdos mediante sistemas de inteligência artificial possam produzir uma obra literária, artística ou científica, pois, conforme disposto no artigo 12 da Lei Federal de Direitos Autorais mexicana, para tal se estabelece como condição essencial para a proteção autoral a autoria humana por pessoa física.
A Lei Federal de Direitos Autorais é uma lei regulamentadora do artigo 28 da Constituição, publicada no Diário Oficial da Federação em 24 de dezembro de 1996, com vigência a partir de 24 de março de 1997.
Afirma que o direito autoral é o reconhecimento feito pelo Estado a todos os criadores de obras literárias, artísticas, musicais, dramáticas, dançantes, pictóricas ou desenhadas, esculturais e plásticas, caricaturas e banda desenhada, arquitectónicas, cinematográficas e outras obras audiovisuais; programas de rádio e televisão, programas de computador e fotográficos, obras de arte aplicada que incluem design gráfico ou têxtil e compilação composta por coleções de obras, como enciclopédias, antologias e obras ou outros elementos, como as bases de dados, desde que as referidas colecções, pela sua selecção ou pelo fornecimento dos seus conteúdos ou materiais, constituam uma criação intelectual, em virtude da qual concede a sua protecção para que o autor goze de prerrogativas e privilégios pessoais e patrimoniais exclusivos.
O primeiro constitui o chamado direito moral e o segundo, o patrimonial. No México, os direitos econômicos duram a vida do autor mais 100 anos após sua morte, segundo o artigo 29 da Lei de Direitos Autorais, somente após o transcurso deste tempo a obra entra em domínio público.
A Corte fundamentou seu decisum nos seguintes dispositivos:
Artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: que consagra o direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de produção científica, literária ou artística como direito humano;
Artigo 14 da Lei Federal de Direitos Autorais: que expressamente exclui da proteção obras geradas por sistemas automatizados;
Artigo 12 da Lei Federal de Direitos Autorais: que condiciona a proteção autoral à criação por pessoa física.
A proposta de reforma da Lei Federal de Direitos Autorais apresentada em dezembro de 2023 pelo legislador Miguel Torruco revela uma tentativa de antecipar-se aos desafios impostos pela inteligência artificial no campo da criação intelectual.
Fundamentando-se no artigo 12 da referida lei, que já estabelece como condição essencial para a proteção autoral a autoria por pessoa física, o projeto buscou explicitamente excluir da tutela jurídica as obras geradas por IA mediante a modificação do artigo 14 e dispositivos conexos (arts. 27, 58, 77, 112, 164, 229 e 230).
Essa iniciativa legislativa, embora bem-intencionada, apresenta redundância normativa frente ao sistema jurídico já vigente no México.
O próprio artigo 12 da LFDA, em consonância com o artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, já assegura a proteção exclusiva às criações humanas, tornando desnecessária a explicitação quanto às obras produzidas por sistemas de IA Generativa.
A natureza personalíssima do direito autoral, consagrada nestes dispositivos, já opera como limite intrínseco à proteção de quaisquer conteúdos não originários do intelecto humano.
A proposta revela, contudo, a urgente necessidade de reflexão sobre os contornos da autoria na era digital.
Embora tecnicamente dispensável pela atual redação da lei mexicana, a iniciativa sinaliza para os desafios hermenêuticos que os operadores do direito enfrentarão ao aplicar conceitos tradicionais de autoria e originalidade às novas formas de criação assistida por tecnologia.
Mais do que criar novas categorias normativas, o caso demonstra a importância de desenvolver critérios interpretativos capazes de distinguir entre a mera geração automatizada e a verdadeira criação intelectual humana, esta sim merecedora da tutela jurídica autoral.
O caminho adequado parece residir não na multiplicação de dispositivos legais, mas na aplicação criteriosa dos princípios já estabelecidos, complementada eventualmente por regulações específicas sobre os direitos conexos envolvidos no processo de criação assistida por IA.
A proteção dos autores humanos contra usos indevidos de suas obras no treinamento de sistemas de IA, por exemplo, poderia ser mais eficazmente tratada por mecanismos de compensação e transparência do que pela simples negação de proteção às obras geradas artificialmente.
DA CONTROVÉRSIA JUDICIAL SOBRE A TITULARIDADE AUTORAL DE OBRAS ASSISTIDAS POR INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
O caso em análise teve origem em ação judicial que pleiteava o reconhecimento da denominada “titularidade jurídica sintética ou artificial” para obras produzidas com auxílio de sistemas de IA generativa.
O demandante, ao buscar registrar obra criada mediante essa tecnologia, reconheceu expressamente ter-se limitado a fornecer parâmetros ao sistema(Prompts), cabendo à inteligência artificial tanto a tomada de decisões quanto a execução da atividade criativa propriamente dita.
A Corte, ao analisar o caso, manteve alinhamento inequívoco com o ordenamento jurídico vigente, reafirmando que “o Direito Autoral contém uma restrição que só reconhece como direito humano do autor as pessoas físicas”. Esse entendimento encontra respaldo:
No artigo 12 da Lei Federal de Direitos Autorais mexicana, que condiciona a proteção autoral à criação por pessoa física. (Artículo 12.- Autor es la persona física que ha creado una obra literaria y artística. )
No artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que vincula a proteção autoral à criação humana (Artigo 27 1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. 2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.)
Nas diretrizes do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que reconhecem a titularidade moral como direito exclusivo do autor humano.
A decisão da Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN) assentou-se em três pilares fundamentais:
(i) Natureza personalíssima do direito autoral: A titularidade moral constitui direito inalienável e intransferível do autor pessoa física (art. 18 LFDA – De los Derechos Morales Artículo.- El autor es el único, primigenio y perpetuo titular de los derechos morales sobre las obras de su creación);
(ii) Requisito de humanidade da criação: A proteção autoral pressupõe a intervenção criativa humana direta, excluindo meros processos automatizados;
(iii) Finalidade protetiva do sistema: O direito autoral visa assegurar aos criadores humanos tanto a integridade de suas obras quanto os direitos patrimoniais delas decorrentes (LFDA art. 11 – Reglas Generales Artículo – El derecho de autor es el reconocimiento que hace el Estado en favor de todo creador de obras literarias y artísticas previstas en el artículo 13 de esta Ley, en virtud del cual otorga su protección para que el autor goce de prerrogativas y privilegios exclusivos de carácter personal y patrimonial. Los primeros integran el llamado derecho moral y los segundos, el patrimonial. e art. 24 – De los Derechos Patrimoniales – En virtud del derecho patrimonial, corresponde al autor el derecho de explotar de manera exclusiva sus obras, o de autorizar a otros su explotación, en cualquier forma, dentro de los límites que establece la presente Ley y sin menoscabo de la titularidad de los derechos morales a que se refiere el artículo 21 de la misma).
O acórdão em análise trouxe significativas definições práticas para o campo jurídico-autoral. Ao examinar a questão, ficou estabelecido que as instruções e prompts utilizados nos sistemas de IA não podem ser considerados atos criativos independentes, configurando-se tão somente como elementos técnicos preliminares.
Quanto ao processo generativo em si, verificou-se que a aparente autonomia decisória da inteligência artificial não guarda equivalência com o genuíno processo criativo humano, que pressupõe intencionalidade e subjetividade artística.
Por fim, no que tange à pretensão de titularidade derivada, o entendimento firmado foi claro: a mera intervenção humana restrita ao fornecimento de parâmetros iniciais (Prompts que os são textos em linguagem natural que solicitam que a IA generativa execute uma tarefa específica))mostra-se insuficiente para caracterizar a autoria nos termos da legislação vigente, que exige participação criativa efetiva e substantiva do ser humano no processo de elaboração da obra.
QUESTÕES FUNDAMENTAIS
O cerne da discussão revela desafios cruciais para o futuro do direito autoral. Os tribunais deverão desenvolver critérios cada vez mais precisos para diferenciar entre a mera assistência tecnológica e a verdadeira geração autônoma de conteúdo – estabelecendo fronteiras claras entre a inspiração humana tradicional e a intervenção algorítmica contemporânea.
Essa distinção essencial levará ao reconhecimento de que os sistemas de IA, em última análise, não criam propriamente, mas sim processam e recombinam elementos da criatividade humana preexistente.
Diante dessa realidade, impõe-se a criação de um novo enquadramento jurídico para essas “criações assistidas”, que necessariamente deverá incluir dois pilares fundamentais:
um sistema robusto de rastreabilidade que permita identificar as obras originais utilizadas no treinamento dos algoritmos; e
mecanismos compensatórios eficientes, preferencialmente administrados por entidades de gestão coletiva, assegurando a justa remuneração dos criadores humanos cujas obras alimentaram os sistemas de IA.
O atual vácuo regulatório global torna-se ainda mais preocupante quando observamos iniciativas legislativas – como as propostas apoiadas por Google e OpenAI nos Estados Unidos – que buscam justamente eliminar obrigações como a compensação financeira aos autores originais, a transparência sobre as fontes utilizadas e a responsabilização jurídica pelos usos indevidos.
Nesse contexto, a construção de um marco regulatório equilibrado transforma-se em imperativo ético e jurídico, que deve conciliar o inevitável progresso tecnológico com a proteção dos direitos fundamentais dos criadores – garantindo que a revolução digital não signifique o esvaziamento do valor econômico da criação artística e intelectual.