Direito Autoral: antigos fundamentos e novos conceitos.

No dia 27 de março de 2021 foi realizado o segundo ciclo formativo do Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industrial.  O encontro teve como expositores Angela Kretschmann e Marcos Wachowicz e discutiu alguns dos fundamentos do Direito Autoral. A gravação completa está disponível no canal do YouTube

Wachowicz foi o responsável por introduzir o tema, destacando a necessidade de compreender antigos fundamentos do Direito Autoral para só então construir novos conceitos. Angela, por sua vez, realizou uma breve análise histórica, a fim de questionar algumas de suas bases. Dessa forma, o presente texto tem o intuito de retomar os principais pontos levantados.

Copyright x Direito Autoral

Em primeiro lugar, é preciso dizer que as invenções tecnológicas sempre marcam um desafio novo para o direito. Como exemplo disso, Wachowicz cita a invenção da prensa, no século XV, que transformou a comercialização dos livros. A partir deste momento, novos contornos foram surgindo, sobretudo no que se refere à tutela jurídica sobre as obras intelectuais. 

Neste ponto, vale destacar a diferença histórica entre o copyright e o direito de autor que surgiu na Europa continental. O primeiro nasce com o Estatuto da Rainha Ana de 1710, que concedeu o privilégio de reprodução das obras a grupos específicos. Assim, é possível falar que esta lei instituiu o monopólio sobre a impressão dos livros na Inglaterra.

Já segundo teve suas bases na Convenção de Paris (1883), que instituiu o regime da Propriedade Industrial. Junto com ela, houve a Convenção de Berna (1886), adotada pelos países da Europa continental e da América Latina. Esta última foi responsável por estruturar a tutela jurídica do direito de autor a partir dos ideais da Revolução Francesa. 

Um breve retrospecto histórico sobre o Direito Autoral e a Propriedade Intelectual

O universo da propriedade intelectual é complexo e requer reflexões sobre seus fundamentos. Ora, sabe-se que o direito está sempre em constante construção. Pensando nisso, Angela Kretschmann inicia fazendo uma breve análise histórica do Direito Autoral.

Em primeiro lugar, nota-se que as obras intelectuais eram vistas como uma coisa pública até a Idade Média. Sendo assim, havia uma apropriação e transmissão destas obras por parte das pessoas. Além disso, era comum a criação de outras obras a partir daquelas que já existiam.

Tal cenário muda com a criação da prensa de Gutemberg. Ela requeria um grande investimento financeiro, ao passo que permitia a cópia das obras de forma muito mais rápida. A máquina fez com que o controle das cópias se tornasse mais difícil, o que levou os impressores buscarem a proteção de seus privilégios no Estado.

Como resultado, é possível notar que o monopólio sobre o comércio de livros começou a ser formado neste período. O Estatuto da Rainha Ana tinha justamente o objetivo de regular tal comércio e proteger os interesses dos impressores sobre as publicações. 

Por outro lado, houve também a Revolução Francesa em 1789, que consagrou os direitos do homem. Ela marcou a queda dos privilégios concedidos pelo monarca e instituiu o direito de propriedade. Em contrapartida, criou a necessidade de inventar uma nova justificativa que pudesse proteger os interesses daqueles que antes estavam vinculados aos privilégios. 

Neste cenário, a ideia de propriedade como um direito natural serviu como um excelente pretexto. Consequentemente, o Direito Autoral nasce entre o século XVIII e XIX, sob o paradigma da proteção ao criador intelectual. Em outras palavras, ele surge mascarado, concebido como um direito de propriedade para obras incorpóreas, intangíveis e imateriais.

O Direito Autoral a partir do século XX

A partir do século XX, o Direito Autoral ampliou-se a ponto de tornar-se um sustento para os direitos pecuniários. Em linhas gerais, pode-se dizer que passou a ser utilizado também como instrumento para ampliar os direitos de terceiros interessados. Para Angela, o Direito Autoral começou a proteger banalidades ao invés de focar na proteção como estímulo ao criador. Na indústria criativa, quanto mais vender e menos custar a produção, melhor é. 

A ampliação da proteção chega finalmente aos empresários, que agora não se escondem mais atrás da porta, isto é, do autor.” (Angela Kretschmann)

Cita-se aqui o texto Direito de autor sem autor e sem obra de José de Oliveira Ascensão. De acordo com ele, a Sociedade Informacional apagou a figura do autor, que não é mais o foco da proteção. Com isso, forma-se uma rede de agentes ao redor das obras, que são chefiadas por grandes empresários. Desse modo, o foco da proteção passa a ser as “produções culturais”, que podem existir com ou sem a presença de um autor.

José de Oliveira Ascensão

“Caminhamos deste modo, não só para a criação de um Direito de Autor sem autor, como para um Direito de Autor sem obra, ou sequer prestação protegida.” (José Ascensão)

Neste cenário, o importante é reservar os conteúdos passíveis de comercialização. Em paralelo, há também a proteção de bens informáticos, que não possuem criação intelectual, embora tenham status de obras. Em suma, o objetivo é a satisfação dos grandes empresários, independente do conteúdo disponibilizado. 

Necessidade de refletir e criar novos conceitos

Como conclusão, pode-se dizer que o Direito Autoral é difícil de ser compreendido por se tratar de uma criação artificial. Historicamente falando, ele é uma invenção recente. Houve um momento em que as ideias e suas obras eram um bem coletivo. 

Wachowicz apontou que a Lei n. 9.610/98 de Direito Autoral, foi pensada numa realidade tecnológica dos anos 70, quando nem sequer se imaginava os impactos das novas tecnologias nos processos de criação, produção e circulação de bens intelectuais na Internet e nas redes sociais.

Como ele próprio já afirmou no seu texto Vinte anos da lei de Direito Autoral no Brasil

Atualmente, as obras intelectuais são constantemente exploradas por uma rede de pessoas atrás dos criadores. Isto faz com que seu acesso passe a ser limitado, exclusivo a determinados grupos. Desta forma, é preciso refletir sobre quais os fundamentos do Direito Autoral e quais os principais agentes por trás.

Ademais, vale pensar sobre a distância entre a obra e o autor, que surgiu com as novas tecnologias. O modelo clássico de propriedade intelectual está ganhando novos contornos, de modo que reconstruir antigos fundamentos dentro da Sociedade Informacional torna-se cada vez mais necessário.

No dia 27 de março de 2021, o Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industrial (GEDAI) realizou seu segundo ciclo formativo, com exposições de Angela Kretschmann e Marcos Wachowicz. O encontro abordou a necessidade de revisitar fundamentos históricos do Direito Autoral para compreender sua evolução, bem como sua relação com o copyright. Ao analisar a influência de invenções tecnológicas, como a prensa, e a distinção entre os sistemas consagrados na Europa continental e no mundo anglo-saxão, a discussão permitiu entender a construção de novos conceitos a partir de estruturas históricas consolidadas. A íntegra do debate está disponível no canal do GEDAI no YouTube.

Gabriel
Publicado em 11/06/2021
Atualizado em 06/12/2024
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