Paródias e o Direito Autoral
As paródias são criações artísticas feitas com base em obras preexistentes. Geralmente, as paródias têm a ver com o humor e a ironia, e muitas vezes são usadas em situações de sátira ou crítica. Quando pensamos em paródias, podemos imaginar que sejam uma forma de violação do Direito Autoral.
No entanto, algumas decisões do STJ encararam a questão das paródias sob uma ótica diferente. Este tema bastante atual está presente no artigo “A paródia e suas principais implicações jurídicas sob a ótica do direito autoral”, escrito por Fernanda Marquerie Gebara, Mestre em Propriedade Intelectual e Novas Tecnologias pela Universidad Autónoma de Madrid (LL.M IP & IT).
O artigo foi publicado nos Anais do XV CODAIP, um evento promovido todos os anos pelo GEDAI. Em 2021, o CODAIP contou com quase 3.000 participantes e mais de 150 palestras.
Os melhores artigos escritos pelos pesquisadores participantes do Congresso foram compilados e publicados nos Anais do XV CODAIP.
Paródias e o Direito Autoral
Podemos encontrar paródias em qualquer meio de comunicação, seja na literatura, na televisão, ou até mesmo nas redes sociais. À primeira vista, uma paródia pode parecer uma ofensa ao Direito Autoral, já que o parodista está se apropriando de uma obra que já existe. Portanto, é muito importante que haja limites para a utilização da obra de base.
Desse modo, o conflito que se forma entre as paródias e o Direito Autoral leva a um ponto tão importante quanto: a questão da liberdade de expressão. Por enquanto, vamos entender melhor a posição da paródia na legislação brasileira. A Lei de Direito Autoral (LDA) vigente no país abarca dois tipos de direito: o direito moral e o direito patrimonial do autor.
O direito moral tem a ver com a personalidade do autor, e não pode ser transmitido para mais ninguém. Já o direito patrimonial trata do retorno financeiro que o autor pode ter com a sua obra, podendo ser transferido para terceiros. Assim, o Direito Autoral permite a existência das paródias, desde que elas não façam uma reprodução da obra original.
Da mesma forma, a paródia não pode comprometer o autor da obra de base, ou seja, não pode envergonhá-lo ou manchar sua imagem. Portanto, a paródia não é de uso ilimitado, já que os direitos morais do autor devem ser preservados. No entanto, por serem baseadas em outras obras, as paródias podem ser consideradas como obras derivadas.
A questão da liberdade de expressão
Como comentamos, as paródias e o Direito Autoral entram em conflito quando a liberdade de expressão entra em cena. É fácil compreender que a paródia não pode ser uma simples reprodução da obra anterior, já que isto seria considerado plágio. No entanto, quando pensamos na questão do descrédito ao autor original, pode ser um pouco mais difícil de avaliar.
Isto porque os critérios para se definir o descrédito são muito subjetivos, e a paródia é essencialmente cômica, por vezes mudando totalmente o sentido da obra original. Neste sentido, a paródia está muito ligada à liberdade de expressão. Contudo, é bom lembrar que a liberdade de expressão também não é ilimitada.
Mesmo sendo protegida pela Constituição, a liberdade de expressão não está acima de outros direitos. Como citado anteriormente, os direitos morais e patrimoniais do autor devem ser respeitados. Sendo assim, é importante que haja equilíbrio entre os interesses em questão.
Portanto, a solução para o conflito entre as paródias e o Direito Autoral passa pela ponderação. Neste processo, é importante a prática de três etapas. Primeiramente, deve-se entender as normas em conflito. Logo após, é necessário examinar a situação e sua relação com as normas. A partir daí, o terceiro passo é a tomada de decisão. Por exemplo, no caso das paródias, essas três etapas teriam a seguinte forma:
- O Direito Autoral e a liberdade de expressão são as normas em conflito;
- A paródia é a situação, onde talvez o Direito Autoral tenha menos influência do que a liberdade de expressão do parodista, ou vice-versa;
- A decisão final dependerá do resultado das ações citadas.
As decisões do STJ
Além do problema dos direitos morais, existe ainda mais uma pedra no caminho das paródias: a finalidade comercial. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) analisou este tema em alguns momentos, mas decidiu que as paródias podem ter finalidade tanto comercial quanto eleitoral.
Em uma dessas situações, no RECURSO ESPECIAL Nº 1.597.678 – RJ, a Universal Music, dona de metade dos direitos patrimoniais de Vinícius de Moraes, entrou com uma ação contra uma empresa do ramo dos hortifrutis. Esta empresa utilizou a música “Garota de Ipanema” em uma campanha publicitária, e a Universal Music entendeu como ilegítimo que a outra empresa lucrasse a partir da canção.
A partir disso, o STJ considerou que a paródia não causava nenhum dano à obra original. Da mesma forma, entendeu que não há nenhuma menção na Lei de Direito Autoral que proíba o uso comercial das paródias.
Como citamos, além de permitir que os parodistas obtenham lucro com suas obras, o STJ também validou a presença das paródias em campanhas eleitorais.
Paródias em campanhas eleitorais
Em um caso parecido com o citado no tópico acima, a EMI Songs processou o político Tiririca, após ele ter parodiado a canção “O Portão” de Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Através do RECURSO ESPECIAL Nº 1.810.440 – SP, a empresa – que é titular dos direitos patrimoniais da música – não concordou com a utilização de “O Portão” como jingle da campanha eleitoral de Tiririca.
A partir de um Recurso Especial, o STJ entendeu que não ocorreu violação aos Direitos Autorais. Além disso, decidiu que não se deve levar em conta a finalidade da paródia quando o assunto é a sua legalidade ou não. Essa é uma decisão polêmica, já que pode levar a um uso indiscriminado da paródia, se não for corretamente interpretada.
Nesse caso, deve-se aplicar a regra dos três passos, que comentamos anteriormente. Esta regra consta na Convenção de Berna e no Acordo TRIPS, pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Somado a isso, o STJ declarou a regra dos três passos obrigatória.
Os limites aplicados às paródias são exceção, contanto que as formas de uso da paródia não interfiram na exploração da obra original. Da mesma forma, as ponderações sobre o caso não podem ser arbitrárias, tendo que obedecer a alguns critérios. Nessas situações, deve-se manter em mente a preservação da liberdade de expressão.
Quer saber mais? Assista ao nosso vídeo sobre a polêmica das paródias em campanhas eleitorais, disponível no canal do YouTube do IODA.
Paródias e o Direito Autoral
No caso do Tiririca, o STJ decidiu a favor do político. No entanto, podemos perceber um certo afastamento dessa decisão com a regra dos três passos, já que a paródia em questão possui caráter político. Assim, poderia causar prejuízos aos autores originais, ao vincular suas imagens aos ideais defendidos por Tiririca.
Percebemos que as paródias rendem boas discussões, que são extremamente importantes. Ao trazer à tona estes debates, os eventuais problemas que surgem podem se esclarecer. Assim, a Lei de Direito Autoral protege a liberdade de expressão, de forma que os limites impostos sejam mais exceção do que regra.
As decisões do STJ validaram qualquer finalidade de uso para as paródias. No entanto, a questão da regra dos três passos deve ser observada, para proteger os direitos das paródias.
Quer saber mais?
Veja o vídeo sobre Paródia e sua utilização nas campanhas eleitorais
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