A Inteligência Artificial e o Direito
A presença da Inteligência Artificial (IA) ultrapassou as histórias de ficção científica e agora está presente no cotidiano de muitas pessoas, entrando nos limites do Direito e do mercado de trabalho. No entanto, a competição entre a IA e as pessoas não se dá em pé de igualdade. Muitas vezes, a IA faz as coisas muito melhor, mais rápido e mais barato do que os seres humanos.
Nesse sentido, o potencial da Inteligência Artificial vai além de vencer partidas de jogos de tabuleiro contra jogadores profissionais humanos. Embora possamos medir o quão inteligente é uma IA quando feitos assim acontecem, isso não restringe as múltiplas possibilidades da Inteligência Artificial.
Assim, em pouco tempo, a evolução da tecnologia pode automatizar uma série de tarefas humanas. Se IAs podem reconhecer padrões de jogos de tabuleiro, também podem ser treinadas para reconhecer padrões de doenças em exames, ou pedestres na estrada.
No artigo “The Reasonable Robot – Introdução: a Inteligência Artificial e a Lei”, Ryan Abbott aborda o assunto da Inteligência Artificial e o Direito, argumentando que o comportamento humano e a IA não devem ser diferenciados perante a Lei, propondo um novo princípio legal visando ao bem estar da humanidade.
Esse artigo foi publicado na Revista Rede de Direito Digital, Intelectual & Sociedade (RRDDIS), uma publicação semestral do IODA.
A Lei e a Inteligência Artificial
Com todo esse potencial tecnológico e todos os sucessos acumulados, desde vencer jogos até diagnosticar doenças, prevê-se que a IA irá gerar muita riqueza. Além disso, segundo Abbott, essa tecnologia irá mudar o futuro do trabalho humano.
Muitos trabalhos físicos, como o processo de montagem de automóveis, já foram automatizados por IAs. No entanto, agora, a Inteligência Artificial também está automatizando o trabalho intelectual. Nesse sentido, a presença do Direito é muito importante.
Ryan Abbott afirma que a Lei tem um papel decisivo quanto a aproveitar os benefícios da Inteligência Artificial, assim como minimizar os possíveis riscos. Para além da fantasia de que, algum dia, as máquinas irão dominar o mundo, os problemas mais práticos do cotidiano é que preocupam a sociedade. Coisas como desemprego, discriminação e segurança são situações mais palpáveis, que podem ser contempladas pelo Direito.
No entanto, o desenvolvimento de leis voltadas para a IA tem sido lento, também porque há a preocupação de que um ambiente muito regrado possa deter a inovação. O que seria necessário, portanto, não seria muitas ou poucas leis sobre o assunto, mas sim leis certas, que contemplassem corretamente o assunto.
Neutralidade legal
Juridicamente, é provável que ocorra várias mudanças legais, pensando nas consequências da ação das IAs nos mais diferentes ambientes. Abbott afirma que essa regulamentação deveria partir de um novo princípio orientador, um princípio de neutralidade legal da IA.
Isso porque o sistema legal atual não é neutro. Por exemplo, uma Inteligência Artificial pode dirigir um carro com mais segurança do que uma pessoa, mas as leis podem proibir veículos sem condutores. Nesses casos, um tratamento jurídico neutro beneficiaria um maior número de pessoas.
Em certos momentos, de acordo com Abbott, deverão ser aplicadas regras diferentes, já que IAs e humanos são diferentes. A principal divergência entre os dois, é que as IAs não têm consciência e interesses humanos e, portanto, não têm direitos morais. Assim, embora a neutralidade legal seja importante, ela não deve estar por trás de toda decisão jurídica relacionada às Inteligências Artificiais.
Inteligência Artificial e a área tributária
O desemprego causado pela tecnologia é o que mais preocupa as pessoas comuns. No entanto, vale lembrar que as Revoluções Industriais foram marcadas por inovações tecnológicas que, em um primeiro momento, podem ter levado ao desemprego. Mesmo assim, ao final, os ganhos em produtividade e a criação de novos empregos superaram essa fase conturbada.
Nesse sentido, Abbott nos diz que as leis fiscais atuais impedem a competição por mérito entre as IAs e as pessoas. Isto porque o sistema tributa mais o trabalho do que o capital, o que é preocupante, já que as Inteligências Artificiais não pagam impostos, nem geram impostos sobre o trabalho.
Sendo os impostos a maior fonte de renda do governo, se as empresas se automatizarem do dia para a noite, a maior parte dos tributos acabará e o governo perderá receitas. Isto pode gerar prejuízos para a população, já que não haverá recursos para investir em áreas como a saúde e a segurança. Uma solução, segundo Abbott, seria reduzir os benefícios fiscais que a IA recebe sobre as pessoas.
Há ainda outras formas de se conseguir uma receita tributária adequada, como aumentar as taxas de impostos corporativos, reduzindo a dependência do governo nos impostos sobre o trabalho humano.
A questão da responsabilidade civil
A questão entre a IA e a responsabilidade civil entra em cena principalmente quando o assunto são os veículos totalmente autônomos (AVs). As IAs fazem certas coisas de forma muito melhor do que os humanos, e dirigir é uma delas. No entanto, Ryan Abbott entende que geralmente as pessoas têm uma opinião negativa sobre os AVs.
Esses veículos auto dirigíveis não precisam ser 100% inofensivos para serem seguros, eles só precisam dirigir melhor do que os seres humanos. Mas a preocupação principal recai sobre a seguinte questão: se um carro auto dirigível atropelar alguém, quem será o responsável por esse acidente?
Precisamos pensar que as Inteligências Artificiais são objetos e propriedades, e não são regidas pelas regras morais da sociedade. Sendo assim, as empresas e proprietários podem ser responsabilizados. Abbott afirma que as IAs estão em constante melhoramento enquanto os motoristas humanos não. Portanto, chegará um dia em que as IAs serão tão seguras que não causarão acidente algum.
A propriedade intelectual e a IA
Além de diagnosticarem doenças, dirigirem e vencerem seres humanos em jogos, as Inteligências Artificiais também criam de forma autônoma, de invenções científicas a quadros e poemas. No entanto, os direitos de propriedade intelectual protegem apenas criações humanas.
Assim, não se sabe se as criações das IAs são patenteáveis, já que não foram desenvolvidas por humanos. Entretanto, muitas patentes são concedidas a pessoas artificiais, na forma de empresas. Segundo Abbott, ainda não há nenhuma lei nesse sentido pensada exclusivamente para o contexto das IAs.
Mas a Lei deveria permitir as patentes, assim como reconhecer a IA como inventora, já que o princípio da propriedade intelectual é a promoção do bem estar da sociedade e o incentivo de atividades de valor social. As máquinas podem não se utilizar diretamente dos benefícios das patentes, mas seus donos sim.
Dentre as críticas à concessão de patentes às Inteligências Artificiais, há o argumento de que o Direito deveria proteger apenas as atividades mentais e seus resultados. Máquinas não podem pensar. No entanto, segundo Abbott, se elas pensam ou não é irrelevante. O que realmente importa para a sociedade é como a nova invenção pode beneficiar as pessoas.
A Inteligência Artificial e o Direito
Que a Inteligência Artificial é uma tecnologia disruptiva não é novidade. Assim como muitas das áreas afetadas pela automação, o Direito deve adotar uma nova postura frente à IA. Essa nova abordagem ajudará a sociedade a usufruir dos benefícios da tecnologia, ao mesmo tempo em que será um esforço de reduzir os possíveis malefícios.
De acordo com Abbott, a automação é, provavelmente, inevitável. Mas os vários problemas que possam surgir devem ser encarados caso a caso, visando sempre em primeiro lugar o bem estar da sociedade.
O estudo explora as múltiplas possibilidades da IA, desde o reconhecimento de padrões em jogos de tabuleiro até a detecção de doenças em exames médicos, ressaltando a necessidade de uma legislação adaptada às inovações tecnológicas. Publicado na Revista Rede de Direito Digital, Intelectual & Sociedade (RRDDIS), o artigo contribui para o debate sobre a adequação das normas jurídicas frente aos avanços da IA.
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