A Gestão Coletiva de Direitos Autorais

Um tema bastante polêmico nos últimos tempos é a insatisfação dos artistas do ramo musical com relação à arrecadação e distribuição de seus Direitos Autorais. As plataformas de Streaming têm pagado poucos royalties pelas reproduções das músicas e o sistema de Gestão Coletiva de Direitos Autorais tem falhado em proteger os músicos.

Falaremos deste tema com base na palestra de Bibiana Biscaia Virtuoso, Mestre em Direito pela UFPR e pesquisadora do GEDAI, durante o Ciclo Formativo #009, promovido pelo IODA no nosso canal YouTube. O moderador do encontro foi o Prof. Marcos Wachowicz, Doutor em Direito pela UFPR e presidente do IODA.

Além da palestra de Bibiana Virtuoso, este texto se utilizará de um artigo publicado por ela e pelo Professor Wachowicz, no site JOTA, intitulado “Streaming: como funciona a arrecadação e distribuição de direitos autorais?”. Vamos explorar como funciona o processo de Gestão Coletiva dos Direitos Autorais no cenário musical do Brasil e a necessidade de maior transparência deste sistema.

Os Direitos Autorais no ramo musical

Gestão Coletiva de Direitos Autorais

Dentre as proteções concedidas pelo Direito Autoral brasileiro, quando pensamos no contexto musical podemos destacar o direito moral e o direito patrimonial. O direito moral protege o autor, que pode reivindicar a qualquer momento a paternidade de sua obra. Esse direito é inalienável, ou seja, não pode ser transferido a outras pessoas, e está relacionado com o vínculo do autor com a sua obra.

Já o direito patrimonial do autor reserva ao seu titular o direito de usufruir da obra, e a partir daí editar, adaptar, traduzir ou comercializar aquele produto. Quando pensamos em Gestão Coletiva, temos que pensar também nos direitos patrimoniais. Um dos pilares do Direito Autoral é conferir aos titulares a garantia de que receberão pelas suas obras, ou seja, que obtenham ganhos financeiros a partir da comercialização das suas criações.

E o que isso tem a ver com o ramo musical? Simples: o sistema de Gestão Coletiva de Direitos Autorais tem como principal responsabilidade assegurar que os autores e titulares de direitos recebam quando suas obras são executadas em locais de frequência coletiva, por exemplo, bares, restaurantes, teatros, entre outros.

No entanto, quando a música passou a ser propagada em larga escala, via radiodifusão – ou mais recentemente via streaming – os autores acabaram perdendo o controle sobre como, onde e quando suas obras estavam sendo reproduzidas. Dessa forma, os autores e titulares precisaram encontrar uma nova forma de monitoramento das suas criações.

Gestão Coletiva, ECAD e o Streaming

Gestão Coletiva de Direitos Autorais

Os artistas e titulares se reuniram em associações de Gestão Coletiva, que agem como mandatárias – ou seja, no lugar dos associados – na tarefa de fiscalizar e cobrar os usuários e consumidores de música. A partir disso, essas entidades repartem os valores arrecadados entre os associados.

O Brasil, no entanto, possui uma característica não vista em nenhum outro país do mundo: além de ter sete associações de gestão coletiva, tem também a presença do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD). O ECAD funcionaria como uma união entre as associações e teria como função a arrecadação e distribuição dos valores.

Para além do que está previsto na lei do Direito Autoral, o ECAD possui o próprio regulamento interno, que define os critérios utilizados para cumprir sua função, separando-os em diferentes rubricas. Dentro dos serviços digitais, o Streaming possui sua própria rubrica, tanto no âmbito musical quanto audiovisual. 

A distribuição dessas rubricas do Streaming é feita diretamente para as associações e, de acordo com o contrato feito com as plataformas, contempla os titulares de direito autoral e conexo. No entanto, uma coisa importante de se destacar é que a distribuição só é feita mediante o cadastro das obras e fonogramas.

O ECAD e a distribuição dos ganhos

Por lei, os titulares podem se filiar a apenas uma das sete associações disponíveis. Quando ocorrem ações de Gestão Coletiva de Direitos Autorais, que envolvam a arrecadação de valores, o ECAD é acionado para fazer esse gerenciamento, e em troca recebe uma porcentagem do valor.

Após uma reforma da Lei 12.853/13, os valores a serem recebidos pelo ECAD estão fixados em até 15% do montante arrecadado. Durante a palestra, Bibiana Virtuoso tentou simplificar a complicada questão da Gestão Coletiva através de um exemplo: quando um artista compõe e grava uma música, 85% do valor arrecadado com os Direitos Autorais é distribuído entre os titulares.

Em seguida, 10% desse valor seria destinado ao ECAD, enquanto os 5% restantes pertencem às associações. Quando pensamos em Direitos Conexos, a distribuição muda de figura. A cantora Anitta, por exemplo, se utilizou da música “Garota de Ipanema” para regravar uma de suas canções. 

Neste caso, ela recebe apenas um terço do valor arrecadado, enquanto os dois terços restantes são direcionados aos autores originais da música, Tom Jobim e Vinícius de Moraes.

O problema do Streaming

Gestão Coletiva de Direitos Autorais

O serviço de Streaming definitivamente revolucionou o mercado de música em escala global. No entanto, apesar do enorme alcance do serviço, que disponibiliza as músicas para milhares de usuários ao redor do mundo, vários artistas têm retirado suas obras dessas plataformas. Isso se deve a má distribuição dos royalties por parte das plataformas. 

No Spotify, por exemplo, para que um artista receba um dólar, é necessário que sua obra seja reproduzida 250 vezes! A questão dos royalties é decisiva, já que é muito importante que os artistas recebam por suas obras, pois serve como incentivo para que eles continuem a produzir, o que beneficia a sociedade como um todo já que há um aumento na produção intelectual e cultural. 

A Lei assegura que a cobrança dos Direitos Autorais seja proporcional ao número de vezes que as obras e fonogramas tenham sido utilizados, e considera a importância da execução pública nesse processo. No entanto, é justamente a questão da execução pública que tem causado rebuliço no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A partir de 2017, o STJ passou a considerar o Streaming como uma forma de execução pública de obras musicais. O STJ entendeu que, devido ao potencial de alcance da internet, o ambiente digital deveria ser considerado um local de frequência coletiva, assim como os bares, restaurantes e teatros citados anteriormente, entendimento que inclusive diverge da própria Lei de Direito Autoral.

Quer saber mais sobre a polêmica? Leia no site do STJ um texto curto que explica a questão detalhadamente. Clique aqui.

A falta de transparência da Gestão Coletiva de Direitos Autorais

Quando pensamos em indústria fonográfica e em toda a questão do pagamento de Direitos Autorais, temos que levar em consideração a grande quantidade de intermediários existente na parte de distribuição. Além disso, um grande problema que assombra essa questão é a falta de transparência tanto do ECAD quanto do próprio sistema de Gestão Coletiva de Direitos Autorais no Brasil.

Bibiana Virtuoso cita a CPI do ECAD – ocorrida em 2012 e liderada pelo Senador Randolfe Rodrigues –, onde o órgão de gestão foi acusado de formação de cartel e até mesmo desvio de verbas, já que alguns artistas declararam que não estavam recebendo o que lhes era devido.

Na mesma época aconteceu a reforma da Lei de Direitos Autorais que, quando foi criada, entendia a Gestão Coletiva de uma maneira mais geral e não havia nenhuma menção à transparência. Apenas com a Lei 12.853, de 2013, é que entraram em cena os princípios de isonomia, eficiência e transparência.

A partir de então, a Gestão Coletiva de Direitos Autorais passa a se basear nesses princípios, além de trazer a questão da publicidade das informações, com ênfase na importância do livre acesso às informações.

Quatro pontos norteadores da Gestão Coletiva de Direitos Autorais

Bibiana Virtuoso explica que, a partir de seus estudos, conseguiu traçar quatro pontos considerados por ela como norteadores da Gestão Coletiva de Direitos Autorais. O primeiro deles é a questão da publicidade e do acesso à informação. Ela defende que o pagamento dos Direitos Autorais é uma questão de desenvolvimento social, pois envolve produção cultural e, portanto, é de interesse público.

Em consequência, o segundo ponto a ser considerado é o da proteção de dados, já que informações nada mais são do que dados, que devem ser protegidos, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD, n° 13.709/2018). O terceiro ponto que Bibiana levantou, considerado por ela o mais importante, é a necessidade de clareza quanto aos parâmetros de arrecadação e distribuição dos Direitos Autorais.

Segundo ela, as taxas e demais formas de arrecadação não seguem uma lógica e não consideram as especificidades de cada caso, o que pode levar à inviabilização da atividade econômica e cultural. O último ponto é a questão da fiscalização já que, no Brasil, não há um órgão específico que fiscalize a Gestão Coletiva, função que acaba indo parar nas mãos do Judiciário, que não está preparado para esta atividade.

Bibiana finaliza reforçando a importância da transparência na Gestão Coletiva de Direitos Autorais. Ela comenta que, embora seja de maior peso a presença de entidades privadas, não se pode ignorar o caráter público desse processo, pois a produção cultural é de interesse social.

Sobre a palestrante

Bibiana Virtuoso

Bibiana Virtuoso possui graduação em Direito pela UFPR (2016) e mestrado em Direito pela UFPR (2020). É especialista em Direito de Família e Sucessões pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Atua como pesquisadora no Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial – GEDAI/UFPR.

Quer saber mais?

Acesse o link e confira o encontro do Ciclo Formativo #009 completo. Clique aqui.

Leia a dissertação de Pós-Graduação de Bibiana Virtuoso sobre o tema na íntegra, clicando neste link.

Leia o artigo escrito por Bibiana Virtuoso e Marcos Wachowicz sobre o tema no site do JOTA, Streaming: como funciona a arrecadação e distribuição de direitos autorais?

Saiba mais sobre o caso do Streaming e o pagamento de Direitos Autorais ao ECAD neste artigo publicado no site JOTA, Serviços de streaming de músicas deverão pagar direitos autorais ao Ecad

Se inscreva para assistir aos próximos Ciclos Formativos. Clique aqui.

 

Assista a gravação da palestra de Bibiana Biscaia Virtuoso, Mestre em Direito pela UFPR e pesquisadora do GEDAI, durante o Ciclo Formativo #009, promovido pelo IODA no nosso canal YouTube.

Marcos Wachowicz Autor
Publicado em 20/05/2022
Atualizado em 09/12/2024
Endereço E-mail