COVID-19 e a Propriedade Intelectual – Como a quebra de patentes pode ajudar no combate à pandemia
As patentes aplicadas às tecnologias e produções científicas – especialmente às vacinas e aos medicamentos – são um obstáculo no combate da atual pandemia. Esta importante questão foi levantada por Marcos Wachowicz, pesquisador do GEDAI/UFPR (Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industrial), em seu artigo “Direito de autor e da sociedade de informação – A propriedade intelectual como estratégia de combate à COVID-19”.
A COVID-19 surpreendeu o mundo todo pela sua rápida capacidade de proliferação, e exigiu respostas rápidas que as comunidades médica e científica não conseguiram dar. Um dos motivos para essa lentidão foi o fato de que muitas das tecnologias necessárias para o combate à pandemia estavam sob a proteção de patentes.
Mas o que é patente? Uma patente é uma forma de proteção legal que confere a propriedade sobre determinada invenção ou produto. Essa proteção é concedida pelo Estado aos inventores, o que dá a eles o direito de explorar tal invenção temporariamente. Essa propriedade intelectual pode ser encarada como uma vantagem comercial dentro da indústria farmacêutica, e não há problemas quanto a isso.
No entanto, de acordo com Wachowicz, o problema não é a existências das patentes, mas sim quando elas atrasam a chegada de determinado medicamento ao seu público alvo, especialmente no contexto da atual pandemia de COVID-19. Essa ação pode ser considerada uma negligência ao direito fundamental à saúde, previsto pela Constituição de 1988, que não compreende saúde apenas como a ausência de doenças, mas como o bem-estar físico, mental e social de todos.
Licença Compulsória
Outro ponto relacionado às patentes é que, ocorrendo o atraso na entrada dos produtos no mercado, a invenção que conseguir se destacar pode ocupar uma posição de dominância em relação às demais, prejudicando a livre concorrência e limitando a opção de compra do consumidor, que pode acabar pagando mais caro pelo produto.
Wachowicz afirma que a solução para esse problema mundial está no acesso aberto aos resultados das pesquisas científicas, baseando-se na ideia de que o conhecimento científico deve estar disponível a todos. Para o combate à pandemia, é importante definir uma estratégia global, em que o acesso às patentes futuras ou já existentes de tratamentos e remédios voltados para a COVID-19 seja liberado. Esta é, inclusive, uma orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Esse livre acesso se daria por meio da Licença Compulsória – ou quebra das patentes –, que é uma suspensão do direito de posse da tal invenção, tornando possível a produção, venda e uso do produto por outros indivíduos ou instituições. A Licença Compulsória tem como características ser temporária e limitada ao território do país que resolveu utilizá-la, e pode ser acionada em caso de emergência nacional ou de grande interesse público.
Assim, no caso da pandemia, fazer uso do licenciamento aberto removeria uma das barreiras do processo de produção dos medicamentos necessários no combate à doença. Ampliando essa ideia em uma estratégia global de enfrentamento, haveria uma distribuição mais equilibrada dos insumos, e os países teriam acesso igualitário aos medicamentos, sem qualquer tipo de discriminação.
O problema da dependência tecnológica do mercado externo
Em 1996, a legislação brasileira incorporou o Acordo ADPIC/TRIPs – Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio –, através da Lei de Propriedade Industrial (LPI), nº 9.279. Essa incorporação aconteceu de forma abrupta, sem o prazo necessário de 10 anos para a adaptação.
Com isso, a indústria de medicamentos do país não conseguiu se adequar à nova legislação, tendo que encerrar suas atividades. Esta situação enfraqueceu o setor farmacêutico da indústria nacional, gerando uma dependência tecnológica do mercado externo que dura até os dias de hoje.
Wachowicz explica que essa dependência pode ser vista ao se analisar a produção ainda iniciante de matérias-primas da indústria farmacêutica. A pouca pesquisa científica desenvolvida no setor e as empresas nacionais, que se baseiam nos preços das empresas estrangeiras para a comercialização dos próprios medicamentos, também revelam o grau dessa dependência.
O mais grave desses problemas é a dependência da tecnologia para a produção dos insumos básicos, já que, se os laboratórios nacionais conseguissem produzir a própria matéria-prima, os custos seriam reduzidos e a possibilidade de lucro seria maior. Com maior poder econômico, o setor farmacêutico nacional teria mais chances de se desenvolver.
Iniciativas internacionais no combate à pandemia
Como citado anteriormente, a Organização Mundial da Saúde está firme na intenção de distribuir recursos de forma equilibrada pelo mundo, independente da situação socioeconômica de cada país, para que o combate à pandemia ocorra de forma mais rápida e eficaz. A partir da criação de um consórcio mundial, a OMS garantiu o acesso de vários países às vacinas, pelo preço mais acessível de 10 dólares a dose.
Muitos países, instituições e empresas mundiais também têm contribuído, modificando suas legislações internas, se utilizando das licenças compulsórias para remover o obstáculo das patentes. Países como Israel, Canadá, Alemanha, Chile, entre outros, liberaram o acesso das suas propriedades intelectuais, com a condição de que o Estado pague uma indenização aos donos dos produtos.
Em seu artigo, Wachowicz cita também a iniciativa Open Covid Pledge, onde vários centros de pesquisa, universidades e empresas se uniram para liberar o acesso às suas tecnologias e permitir o seu uso por terceiros. Empresas como a IBM, Amazon, HP, Facebook (hoje sob o nome Meta), Microsoft, entre outras, já fazem parte desse projeto solidário.
O Brasil também participou de ações como essas, como a iniciativa da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), uma referência em epidemiologia, que liberou o acesso às suas tecnologias gratuitamente.
Vacina UFPR
Diante deste cenário, mesmo com todos os impedimentos causados pelas patentes estrangeiras, pela dependência de tecnologia e pela importação de insumos, uma grande iniciativa está ganhando destaque no território brasileiro. A Universidade Federal do Paraná (UFPR) está desenvolvendo uma vacina feita com tecnologia 100% nacional, e deve terminar sua fase de testes pré-clínicos agora no fim de 2021.
Os insumos utilizados pela UFPR são produzidos em território nacional, a partir de pesquisas feitas com biopolímeros biodegradáveis e proteínas do vírus. Outra grande característica impactante da vacina UFPR é o custo: em sua produção é gasto menos de 1 dólar por dose!
Wachowicz explica que, caso aprovada nos testes pré-clínicos e clínicos, a vacina nacional poderá ser disponibilizada para a população até 2022 e poderá, futuramente, garantir ao Brasil uma maior independência comercial e tecnológica do mercado externo.
Leia o artigo do professor Marcos Wachowicz na íntegra: “Direito de autor e da sociedade de informação“
Vídeos do YouTube:
Vacina brasileira no combate à pandemia COVID-19
Licenciamento compulsório na COVID-19
O acesso aberto à inovação científica para o combate ao COVID-19