A Regra dos Três Passos no Direito Autoral

por , | jun 23, 2022 | Artigos | 0 Comentários

A Regra dos Três Passos é um mecanismo internacional previsto na Convenção de Berna desde 1967 que regula os usos livres de obras protegidas pelo Direito Autoral.  Embora tal Regra não tenha sido incorporada diretamente na legislação brasileira, algumas decisões de tribunais brasileiros têm aplicado a Regra dos Três Passos de forma direta. Assim, é importante deixar claro quais os critérios de decisão dos tribunais sobre a aplicação dessa regra.

Da mesma forma, também é preciso avaliar os resultados dessas decisões no campo do Direito Autoral. Além disso, podemos imaginar que a falta de uma cláusula geral sobre o livre uso na Lei dificulta a aplicação da Regra Dos Três Passos.

No artigo “A INTERPRETAÇÃO DA REGRA DOS TRÊS PASSOS NO BRASIL: comentários aos Recursos Especiais nº 964404/ES e 1380341/ SP julgados pelo Superior Tribunal de Justiça”, o Professor Bruno Tomé Fonseca e a Professora Heloísa Gomes Medeiros tratam deste tema com maior profundidade.

Este artigo foi publicado nos Anais do XV CODAIP, um evento promovido todos os anos pelo GEDAI. Em 2021, o CODAIP contou com quase 3.000 participantes e mais de 150 palestras.

Os melhores artigos escritos pelos pesquisadores participantes do Congresso foram compilados e publicados nos Anais do XV CODAIP.

 

A Regra dos Três Passos e o Direito Autoral

Ioda Instituto Observatório de Diteto - Imagem meramente ilustrativa

Para definir a Regra dos Três Passos, é necessário compreender antes a Lei de Direito Autoral no Brasil. O Direito de Autor garante ao criador de uma obra a sua exclusividade de uso. Ou seja, o autor pode fazer o que bem entender com sua criação, inclusive ceder esses direitos a outra pessoa.

No entanto, para além dos interesses dos autores, as obras autorais também têm utilidade pública. Por conta disso, existem dispositivos legais que protegem tanto os direitos de propriedade intelectual do autor quanto os interesses que a sociedade tem pela obra.

Neste sentido, a criação da Regra dos Três Passos se deu em âmbito internacional, e é sustentada por duas grandes legislações: 

  • Convenção da União de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas;
  • Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, da Organização Mundial do Comércio (OMC).

 

O contexto por trás da Regra dos Três Passos

Ao longo dos anos, diversos tratados internacionais foram formulados para proteger a propriedade intelectual. O objetivo desses tratados era equilibrar as diferentes legislações ao redor do mundo para assegurar a proteção e o reconhecimento de inventores e suas obras em outros países.

Neste sentido, a Convenção de Berna de 1886 é uma das mais importantes legislações mundiais de Direitos Autorais, e é base da Lei de Direito Autoral brasileira. A Convenção tem como meta proteger a autoria de obras artísticas e literárias, e baseia sua ação em três pontos principais:

  • Tratamento nacional;
  • Proteção automática;
  • Padrão mínimo de proteção.

Da mesma forma, a Convenção da União de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas (CUB) considera importante dois critérios: a proteção automática (quando se trata de proteção internacional) e o estabelecimento de padrões mínimos pelos tratados. Assim, dentre os padrões mínimos podemos citar:

  • Direitos morais independentes dos direitos patrimoniais de autor;
  • duração dos direitos; 
  • direito de tradução da obra; 
  • direito de reprodução das obras; 
  • direitos de representação, execução e transmissão públicas; 
  • direitos de radiodifusão; 
  • direito exclusivo de adaptação.

 

O que é a Regra dos Três Passos?

Como comentamos no início do texto, a Regra dos Três Passos é um mecanismo que regula os usos livres de obras protegidas pelo Direito Autoral. Em 1994, a Organização Mundial do Comércio (OMC) estabeleceu o Acordo TRIPS, que incluiu a Regra dos Três Passos para casos especiais de exceção aos Direitos Autorais.

 Mas por que o Direito Autoral precisa de limites? Por que é necessário permitir usos livres de obras protegidas? Primeiramente, precisamos entender que a propriedade intelectual nasceu como uma forma de correção de uma falha de mercado. Ou seja, aquela discussão sobre os interesses do autor e os interesses da sociedade.

Portanto, em algum momento, o autor terá que abrir mão de seus direitos, seja por causa de alguma exceção, seja após terem passado 50 anos de sua morte, prazo fixado pela Convenção de Berna.. Além disso, outro ponto muito importante a ser considerado é que o Direito Autoral não é e nem pode ser ilimitado. 

Dessa forma, essas limitações ao exercício do Direito do Autor sobre sua obra/criação servem para manter o equilíbrio entre os diferentes interesses públicos e privados em conflito. De acordo com o Tratado de Berna, na sua revisão de Estocolmo em 1967, a Regra dos Três Passos deve seguir estas etapas:

  • Ser utilizada apenas em casos especiais;
  • Não prejudicar a exploração comercial da obra;
  • Não deve ferir os interesses do autor.

 

As limitações do Direito Autoral

Ioda Instituto Observatório de Diteto - Imagem meramente ilustrativa

Dentro das legislações internacionais, há duas formas de se entender as limitações do Direito Autoral:

  • Uma forma que prevê o uso de uma Cláusula Geral, geralmente seguida por tratados internacionais e países com base jurídica na Common Law, como os Estados Unidos;
  • Outra forma com leis mais rígidas, seguida por países baseados na Civil Law, como o Brasil.

Sendo assim, nos países de sistema civilista, o Direito Autoral surge junto com a criação da obra. Dessa forma, as limitações têm caráter de exceção. Já nos países usuários do Copyright, acontece o contrário. Portanto, o Direito Autoral não é considerado uma obrigação da sociedade para com o autor.

A adoção da Cláusula Geral permite que as limitações e exceções estejam sempre se adaptando a novas necessidades e evoluindo. Dessa forma, a Cláusula não fica restringida a ações fixas e pré-determinadas. Por conta disso, as Cláusulas Gerais são muito vantajosas para a sociedade informacional em que vivemos.

Por outro lado, temos o sistema civilista, que tem uma lista limitada de exceções ao Direito Autoral. Esse sistema é bem fechado para mudanças. No entanto, em sua defesa, apresenta maior segurança jurídica quando comparado com a Cláusula Geral. Além disso, é um sistema pouco adequado para o mundo digital.

Assim, no artigo 46 da legislação brasileira, há uma lista modesta exemplificativa de utilizações livres, que não respondem aos interesses sociais, como a reprodução para fins de conservação. Com o projeto de reforma da Lei de Direito Autoral (LDA), foi considerada a inclusão da Cláusula Geral no rol de exceções previstas pela lei.

 

Recurso Especial 1: ECAD contra Mitra Arquidiocesana de Vitória

O Recurso Especial 964404/ES foi julgado em 2011. O conflito começou com a Abertura do Ano Vocacional de 2002, um evento religioso sem fins lucrativos promovido pela Mitra Arquidiocesana de Vitória. A partir disso, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) pediu a cobrança de direitos autorais pelas músicas que tocaram no evento.

De acordo com o artigo 68 da LDA, são proibidas as execuções das obras em ambientes públicos. No entanto, a lei nada diz sobre instituições religiosas. Além disso, em sua defesa, a organização religiosa disse que não tinha o objetivo de lucrar com as músicas e que, portanto, não havia ferido os direitos autorais. 

A partir disso, o Relator do caso, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, utilizou a Regra dos Três Passos e aplicou uma limitação ao direito autoral. Assim, o Ministro decidiu excluir a cobrança de direitos autorais da organização religiosa.

Quer saber mais sobre o ECAD e a cobrança de direitos autorais no ramo da música? Leia o nosso artigo sobre a Gestão Coletiva dos Direitos Autorais.

 

Recurso Especial 2: ECAD contra Associação da Santa Casa de Misericórdia de Serra Negra

Embora o desfecho do caso da Mitra Arquidiocesana tenha sido positivo, nem sempre as ponderações levam a resultados favoráveis. Um exemplo é o Recurso Especial 1380341/SP, que aconteceu em 2013. Desta vez, o ECAD entrou com uma ação contra a Associação da Santa Casa de Misericórdia de Serra Negra.

Esta associação instalou aparelhos de TV nos quartos do hospital e o ECAD resolveu cobrar os direitos autorais da reprodução dos programas. Neste processo, o ECAD utilizou os mesmos argumentos, citando o artigo 68 da LDA de novo.

No entanto, desta vez, o Superior Tribunal de Justiça considerou hotéis, motéis, clínicas e hospitais como locais de frequência pública. O Relator do caso, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, não se utilizou da ponderação e decidiu pelo pagamento dos direitos autorais, dando ganho de causa ao ECAD.

 

A Regra dos Três Passos no Direito Autoral

Vimos que, embora a Lei de Direito Autoral tenha sua força, ela não é absoluta. Dessa forma, algumas restrições são necessárias para garantir o equilíbrio dos interesses, tanto dos titulares dos direitos quanto da sociedade.

Assim, as limitações podem acontecer de duas formas: intrínseca e extrínseca. Ou seja, as intrínsecas estão relacionadas à legislação, ao tempo e à extensão da proteção. Já as extrínsecas são restrições ao exercício da lei, corrigindo os abusos dos titulares.

No entanto, as limitações ao Direito Autoral não podem ser arbitrárias, ou seja, devem ser baseadas em critérios fixos. Neste sentido, a aplicação da Regra dos Três Passos no processo de ponderação auxilia o STJ nas decisões. Contudo, a falta de uma cláusula geral sobre os usos livres dificulta a utilização da Regra pelos tribunais.

 

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