O trabalho de pesquisa de Bruno Langan\u00e1 Falqueiro<\/strong> aborda conceitos fundamentais do Direito Autoral e discute a transposi\u00e7\u00e3o dessa abordagem para a legisla\u00e7\u00e3o brasileira. Conclui que \u00e9 poss\u00edvel a atribui\u00e7\u00e3o de autoria \u00e0 IA, desde que haja um agente humano respons\u00e1vel pelos direitos patrimoniais, destacando o potencial dessa discuss\u00e3o para debates acad\u00eamicos e jur\u00eddicos.<\/p>\n
Bruno Lagan\u00e1 Falqueiro<\/b><\/span><\/span><\/span><\/a> <\/b>1<\/sup><\/a><\/span><\/span><\/span><\/p>\n
<\/b>O principal debate envolvendo Intelig\u00eancia Artificial (IA) e Direito Autoral \u2013 tema deste trabalho \u2013 est\u00e1 na atribui\u00e7\u00e3o ou n\u00e3o de autoria \u2013 e, por consequ\u00eancia, demais Direitos de Autor \u2013 \u00e0s obras art\u00edsticas criadas inteiramente por programas de computador. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
A doutrina especializada traz diversas solu\u00e7\u00f5es e nenhuma \u00e9 pac\u00edfica. Contudo, nesta regra h\u00e1 uma exce\u00e7\u00e3o: n\u00e3o se observa raz\u00e3o jur\u00eddica ou filos\u00f3fica para atribuir titularidade autoral a um programa de computador. H\u00e1 sim pretexto econ\u00f4mico, pela qual a prote\u00e7\u00e3o jur\u00eddica \u00e9 admitida pela Propriedade Industrial (via patentes)2<\/sup><\/a>. Este trabalho aduz somente ao cerne Autoral. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
Por Direitos Autorais entende-se o conjunto Direitos de Autor e Direitos Conexos. O Direito de Autor \u201cregula as rela\u00e7\u00f5es jur\u00eddicas decorrentes da cria\u00e7\u00e3o intelectual e a utiliza\u00e7\u00e3o das obras intelectuais pertencentes ao campo de atua\u00e7\u00e3o da literatura, das artes e das ci\u00eancias\u201d (SOARES, 2007, p. 105). Por sua vez, os Direitos Conexos referem-se \u00e0 prote\u00e7\u00e3o jur\u00eddica daqueles que possuem rela\u00e7\u00e3o mediata com a obra, ou, nos termos da legisla\u00e7\u00e3o, artistas int\u00e9rpretes ou executantes, produtores fonogr\u00e1ficos e empresas de radiodifus\u00e3o.<\/span><\/span><\/span>3<\/a><\/span><\/span><\/sup><\/span><\/p>\n
Sobre intelig\u00eancia artificial, a doutrina autoralista faz anota\u00e7\u00f5es especiais. Inicia-se trazendo o posicionamento de Santos (2020, p. 28): <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
\nPor Intelig\u00eancia Artificial deve-se entender a capacidade de um sistema de obter resultados de forma ilimitada e independente, pois \u00e9 dessa maneira que um sistema digital de processamento de informa\u00e7\u00f5es pode de fato emular a intelig\u00eancia humana. O uso da express\u00e3o \u201cIntelig\u00eancia Artificial\u201d \u00e9 consensual e reflete duas caracter\u00edsticas b\u00e1sicas desses sistemas. Primeiro, o termo \u201cintelig\u00eancia\u201d evoca a capacidade de os sistemas digitais poderem aprender e criar solu\u00e7\u00f5es novas, emulando fun\u00e7\u00f5es cognitivas associadas \u00e0 mente humana. Segundo, o termo \u201cartificial\u201d \u00e9 dessa forma usado em contraste \u00e0 intelig\u00eancia natural do Homem.<\/span><\/span><\/span><\/p>\n<\/blockquote>\n
<\/b> Conforme entendimento de Rich (1988), \u00e9 poss\u00edvel classificar uma IA quanto \u00e0 sua compet\u00eancia: IA <\/span><\/span><\/span>strong<\/i><\/span><\/span><\/span> (forte) \u00e9 uma IA \u201cgenuinamente inteligente e autoconsciente\u201d (LANA <\/span><\/span><\/span>et al<\/i><\/span><\/span><\/span>, 2021, p. 26) – trata-se de tecnologia ainda somente em obras de fic\u00e7\u00e3o. J\u00e1 IA <\/span><\/span><\/span>weak<\/i><\/span><\/span><\/span> (fraca) s\u00e3o as presentes no mercado econ\u00f4mico, \u201cnomeadamente sistemas que exibam comportamentos considerados como inteligentes apesar de serem apenas m\u00e1quinas.\u201d (<\/span><\/span><\/span>oc<\/i><\/span><\/span><\/span>. p. 27). Ainda, pode ser <\/span><\/span><\/span>narrow <\/i><\/span><\/span><\/span>(estreita) – uma IA que realiza somente uma \u00fanica tarefa ou \u201cum sistema de intelig\u00eancia artificial n\u00e3o capaz de verdadeiramente raciocinar e resolver problemas\u201d (SALMEM, 2020, p. 86) – ou <\/span><\/span><\/span>general<\/i><\/span><\/span><\/span> (geral), uma IA capaz de realizar qualquer tipo de tarefa intelectual, hip\u00f3tese em que \u201cestes sistemas n\u00e3o seriam apenas simula\u00e7\u00f5es de intelig\u00eancia, mas entidades realmente inteligentes\u201d (<\/span><\/span><\/span>oc<\/i><\/span><\/span><\/span>, p. 87). <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
Em posse de tais conceitos, definiram-se duas intersec\u00e7\u00f5es de Intelig\u00eancia Artificial com Direitos Autorais: se obra foi assistida pela IA (<\/span><\/span><\/span>Computer Assisted Works<\/i><\/span><\/span><\/span>) ou se ela foi gerada totalmente por uma IA (<\/span><\/span><\/span>Computer Generated Works)<\/i><\/span><\/span><\/span><\/p>\n
Santos (2020, p. 30), explica as <\/span><\/span><\/span>Computer Assisted Works<\/i><\/span><\/span><\/span>: \u201cNesse caso, a m\u00e1quina \u00e9 operada por algu\u00e9m que fornece ao computador as necess\u00e1rias instru\u00e7\u00f5es para a realiza\u00e7\u00e3o das diferentes tarefas de que resultar\u00e1 uma obra intelectual\u201d. E, portanto, \u201ctrata-se de cria\u00e7\u00e3o humana em que a m\u00e1quina apenas funciona como uma ferramenta sob controle do criador\u201d. Nesta modalidade a IA \u00e9 apenas um instrumento para a cria\u00e7\u00e3o intelectual, como um viol\u00e3o, um pincel ou uma m\u00e1quina fotogr\u00e1fica. N\u00e3o h\u00e1 d\u00favida sobre o titular de direitos autorais neste tipo de obra: pertencem ao usu\u00e1rio, controlador da ferramenta e real criador da obra. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
J\u00e1 as <\/span><\/span><\/span>Computer Generated Works<\/i><\/span><\/span><\/span> s\u00e3o obras geradas totalmente pela IA. Recorre-se novamente a Santos (2020, p. 31): <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
\n<\/a> Diferentes das \u201cComputer Assisted Works\u201d s\u00e3o as \u201cComputer Generated Works\u201d, porque neste caso \u00e9 um\u00a0<\/span>software<\/span><\/em>\u00a0que efetivamente gera a cria\u00e7\u00e3o intelectual. Existem, contudo, duas categorias de cria\u00e7\u00f5es geradas dessa forma: na primeira, o sistema escolhe alternativas predefinidas, como no caso de videojogos, em que h\u00e1 uma rela\u00e7\u00e3o de causalidade entre o programador, o usu\u00e1rio e o resultado; na segunda, \u00e9 o sistema que, operando com Intelig\u00eancia Artificial, efetivamente gera novas cria\u00e7\u00f5es. Nesta situa\u00e7\u00e3o, n\u00e3o \u00e9 o homem que determina diretamente o resultado, j\u00e1 que este depende de combina\u00e7\u00f5es aleat\u00f3rias efetuadas pelo\u00a0<\/span>software<\/span><\/em>\u00a0a partir de uma base de dados, inexistindo uma rela\u00e7\u00e3o de causalidade direta entre o programador ou usu\u00e1rio do\u00a0<\/span>software<\/span><\/em>\u00a0e o resultado gerado pelo sistema.<\/span><\/span><\/span><\/p>\n<\/blockquote>\n
E s\u00e3o exatamente estas est\u00e3o no centro do debate doutrin\u00e1rio4<\/sup><\/a>. Existem quatro principais correntes: (I) deve-se considerar o grau de influ\u00eancia do usu\u00e1rio e da pr\u00f3pria IA para estabelecer autoria ou at\u00e9 coautoria; (II) autor ser\u00e1 sempre o usu\u00e1rio da IA; (III) a paternidade da obra caberia somente ao programador e desenvolvedor da IA; (IV) as obras criadas por IA devem ser consideradas como dom\u00ednio p\u00fablico. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
II. AIVA <\/b><\/span><\/span><\/h3>\n
Artista Virtual de Intelig\u00eancia Artificial (AIVA em ingl\u00eas), \u00e9 uma \u201cIA capaz de compor trilhas sonoras emocionais para filmes, videogames, an\u00fancios publicit\u00e1rios e qualquer tipo de conte\u00fado de entretenimento” (AIVA 2016). Foi criada em fevereiro de 2016 por Pierre Barreau, inspirado no filme ELA5<\/sup><\/a>. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
\nTodos os participantes perceberam a m\u00fasica composta por computador (por IA) ser t\u00e3o humana quanto a m\u00fasica composta por humanos. No entanto, uma vez revelada a exist\u00eancia de uma m\u00fasica composta por IA entre as duas trilhas sonoras, provocou-se ambival\u00eancia sobre se deve ou n\u00e3o ser atribu\u00eddo o mesmo valor. (LIMA, 2021, p. 28). <\/span><\/span><\/span><\/p>\n<\/blockquote>\n
Relevante ao debate \u00e9 observar o estabelecimento da AIVA como autor musical. Apesar de n\u00e3o identific\u00e1vel com exatid\u00e3o, ao menos desde 20186<\/sup><\/a> a AIVA est\u00e1 registrada na SACEM \u2013 a Sociedade Francesa de Autores, Compositores e Editores de M\u00fasica \u2013 como compositora. Trata-se de \u00f3rg\u00e3o an\u00e1logo ao brasileiro ECAD (Escrit\u00f3rio Central de Arrecada\u00e7\u00e3o e Distribui\u00e7\u00e3o). <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
\nO registo das suas cria\u00e7\u00f5es numa sociedade de direitos de autor, a SACEM, sociedade dos direitos de autor para a Fran\u00e7a e o Luxemburgo, fez dela a primeiro software a ser reconhecido por criar obras \u00fanicas tanto formal como oficialmente. Nunca antes houve um caso em que a intelig\u00eancia artificial fosse reconhecida por uma sociedade de direitos como compositor<\/span><\/span><\/span>. <\/i><\/span><\/span><\/span><\/p>\n<\/blockquote>\n
<\/i>Isto resulta em legitimidade \u00e0 SACEM para representa\u00e7\u00e3o da AIVA, fiscalizando a explora\u00e7\u00e3o e promovendo arrecada\u00e7\u00e3o de seus direitos de autor. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
III. DISCUSS\u00c3O<\/b><\/span><\/span><\/span><\/h3>\n
O reconhecimento oficial pela SACEM gerou como consequ\u00eancia a atribui\u00e7\u00e3o de direitos \u00e0 AIVA, notadamente direitos de autor. Isto porque est\u00e1 sob a \u00e9gide da lei francesa, aquela em que, conforme artigo L113-1 do C\u00f3digo de Propriedade Intelectual, \u201co status de autor pertence, salvo provado o contr\u00e1rio, \u00e0quele ou \u00e0queles sob o nome de quem a obra \u00e9 divulgada.\u201d.7<\/sup><\/a> <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
Em sequ\u00eancia, destacam-se os artigos L111-18<\/sup><\/a> e L111-29<\/sup><\/a>, pelos quais resta claro tratar-se de um sistema jur\u00eddico centrado na figura do autor. Soma-se o artigo L112-1, preconizando que as disposi\u00e7\u00f5es legais \u201cprotegem os direitos dos autores em todas as obras da mente, independentemente de seu g\u00eanero, forma de express\u00e3o, m\u00e9rito ou destino.\u201d <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
Por fim, cumpre pontuar que diversos estudos10<\/sup><\/a> j\u00e1 conclu\u00edram que obras criadas por IA n\u00e3o s\u00e3o eleg\u00edveis \u00e0 prote\u00e7\u00e3o autoral no sistema <\/span><\/span><\/span>Copyright<\/i><\/span><\/span><\/span>, sendo consideradas ferramentas e pertencendo, quando cab\u00edvel, \u00e0 Propriedade Industrial. De tal sorte, mostra-se ainda mais relevante o reconhecimento jur\u00eddico da AIVA na sociedade fundacional do Direito de Autor. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
CONCLUS\u00c3O<\/b><\/span><\/span><\/span><\/h2>\n
Pode uma IA ser titular origin\u00e1ria de Direitos de Autor? Conclui-se que a resposta \u00e9 positiva, sendo a AIVA a comprova\u00e7\u00e3o deste entendimento. Inclusive, a pesquisa demonstrou que tal tratamento jur\u00eddico mostra-se transpon\u00edvel ao direito brasileiro vigente. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
<\/a> Neste sentido e similar \u00e0 legitimidade da SACEM, o ECAD brasileiro \u00e9 suficiente para arrecada\u00e7\u00e3o e fiscaliza\u00e7\u00e3o dos direitos de autor, bastando o correspondente reconhecimento pelo pr\u00f3prio \u00f3rg\u00e3o. Contudo, a legalidade desta decis\u00e3o merece discuss\u00e3o. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n
BIBLIOGRAFIA: <\/b><\/span><\/span><\/span><\/p>\n
\n1<\/a> Mestrando em Direito Pol\u00edtico e Econ\u00f4mico na Universidade Presbiteriana Mackenzie. P\u00f3s-Graduado em Propriedade Intelectual e Novos Neg\u00f3cios pela FGV-SP. Advogado regularmente inscrito OAB-SP. E-mail: bruno.lagana-falqueiro@adv.oabsp.org.br <\/span><\/p>\n<\/div>\n
\n2<\/a> H\u00e1 tamb\u00e9m entendimento que a prote\u00e7\u00e3o jur\u00eddica de uma Intelig\u00eancia Artificial \u00e9 poss\u00edvel atrav\u00e9s da lei n\u00ba 9.609\/98 (Lei do Software), fugindo ao escopo deste trabalho.<\/span><\/p>\n<\/div>\n
\n3<\/a> Art. 89 Lei 9610\/98. As normas relativas aos direitos de autor aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas int\u00e9rpretes ou executantes, dos produtores fonogr\u00e1ficos e das empresas de radiodifus\u00e3o.<\/span><\/p>\n<\/div>\n
\n<\/a> 4<\/a> Entendimento a partir de GON\u00c7ALVES (2019), KAUFMAN (2019), KERLLER e SILVA (2020), SALMEM e WACHOWICZ (2020), LANA <\/span>et. al<\/i><\/span> (2021), TAUK (2020) e LEIRA (2020) <\/span><\/p>\n<\/div>\n
\n5<\/a> O Filme ELA (HER) trata sobre a rela\u00e7\u00e3o especial que o protagonista tem com uma intuitiva e sens\u00edvel sistema operacional. Dire\u00e7\u00e3o Spike Jonze. Produtora Annapurna Pictures. Data de lan\u00e7amento no Brasil: 14 de fevereiro de 2014. <\/span><\/p>\n<\/div>\n
\n6<\/a> Primeiro ano em que se publicam not\u00edcias a respeito. <\/span><\/p>\n<\/div>\n
\n7<\/a> L\u00e9gifrance. Rep\u00fablica Francesa. Code de la propri\u00e9t\u00e9 intellectuelle. Fran\u00e7a. 2021. Dispon\u00edvel em https:\/\/www.legifrance.gouv.fr\/codes\/texte_lc\/LEGITEXT000006069414\/2021-12-03\/ Acesso em 03 de dezembro de 2021. <\/span><\/p>\n<\/div>\n
\n8<\/a> Artigo L111-1: O autor de uma obra da mente desfruta desta obra, pelo \u00fanico fato de sua cria\u00e7\u00e3o, um direito de propriedade intang\u00edvel exclusivo exequ\u00edvel contra todos. Esse direito inclui atributos intelectuais e morais, bem como atributos patrimoniais. <\/span><\/p>\n<\/div>\n
\n9<\/a> Artigo L111-2: Considera-se que a obra foi criada, independentemente de qualquer divulga\u00e7\u00e3o p\u00fablica, apenas por causa da realiza\u00e7\u00e3o, mesmo inacabada, da concep\u00e7\u00e3o do autor.. <\/span><\/p>\n<\/div>\n