{"id":3071,"date":"2022-04-15T10:00:15","date_gmt":"2022-04-15T13:00:15","guid":{"rendered":"https:\/\/ioda.org.br\/?p=3071"},"modified":"2024-12-08T10:11:52","modified_gmt":"2024-12-08T13:11:52","slug":"ensaio-sobre-uma-inteligencia-artificial-detentora-de-direitos-de-autor","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/ioda.org.br\/publicacoes\/artigos\/ensaio-sobre-uma-inteligencia-artificial-detentora-de-direitos-de-autor\/","title":{"rendered":"ENSAIO SOBRE UMA INTELIGENCIA ARTIFICIAL DETENTORA DE DIREITOS DE AUTOR"},"content":{"rendered":"
O trabalho de pesquisa de Bruno Langan\u00e1 Falqueiro<\/strong> aborda conceitos fundamentais do Direito Autoral e discute a transposi\u00e7\u00e3o dessa abordagem para a legisla\u00e7\u00e3o brasileira. Conclui que \u00e9 poss\u00edvel a atribui\u00e7\u00e3o de autoria \u00e0 IA, desde que haja um agente humano respons\u00e1vel pelos direitos patrimoniais, destacando o potencial dessa discuss\u00e3o para debates acad\u00eamicos e jur\u00eddicos.<\/p>\n Bruno Lagan\u00e1 Falqueiro<\/b><\/span><\/span><\/span><\/a> <\/b>1<\/sup><\/a><\/span><\/span><\/span><\/p>\n O presente ensaio versa sobre a atribui\u00e7\u00e3o jur\u00eddica de autoria \u00e0s obras art\u00edsticas elaboradas por intelig\u00eancia artificial. Observa-se que h\u00e1 reconhecimento e atribui\u00e7\u00e3o legal \u00e0 AIVA, como programa de computador, pela sociedade francesa. Como problema de pesquisa, t\u00eam-se: \u00e9 poss\u00edvel semelhante reconhecimento \u00e0 luz da norma brasileira? A hip\u00f3tese levantada \u00e9 de resultado negativo. O objetivo geral deste trabalho \u00e9 a explora\u00e7\u00e3o do tema, especificamente instru\u00e7\u00e3o para debates acad\u00eamicos. A pesquisa foi desenvolvida na metodologia hipot\u00e9tico-dedutivo. Valeu-se de levantamento bibliogr\u00e1fico, an\u00e1lise comparada de legisla\u00e7\u00f5es e qualitativa de dados. Conclui-se que o tratamento \u00e9 transpon\u00edvel ao direito brasileiro. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n <\/b>O principal debate envolvendo Intelig\u00eancia Artificial (IA) e Direito Autoral \u2013 tema deste trabalho \u2013 est\u00e1 na atribui\u00e7\u00e3o ou n\u00e3o de autoria \u2013 e, por consequ\u00eancia, demais Direitos de Autor \u2013 \u00e0s obras art\u00edsticas criadas inteiramente por programas de computador. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n A doutrina especializada traz diversas solu\u00e7\u00f5es e nenhuma \u00e9 pac\u00edfica. Contudo, nesta regra h\u00e1 uma exce\u00e7\u00e3o: n\u00e3o se observa raz\u00e3o jur\u00eddica ou filos\u00f3fica para atribuir titularidade autoral a um programa de computador. H\u00e1 sim pretexto econ\u00f4mico, pela qual a prote\u00e7\u00e3o jur\u00eddica \u00e9 admitida pela Propriedade Industrial (via patentes)2<\/sup><\/a>. Este trabalho aduz somente ao cerne Autoral. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n Entende-se que o Brasil adotou o modelo franc\u00eas <\/span><\/span><\/span>Droit D\u2019 Auteur<\/i><\/span><\/span><\/span>, contraposi\u00e7\u00e3o ao brit\u00e2nico<\/span><\/span><\/span> Copyright<\/i><\/span><\/span><\/span>. A historicidade foge ao escopo deste ensaio, merecendo aten\u00e7\u00e3o somente perceber a fonte jur\u00eddica. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n Isto posto, observou-se na Fran\u00e7a um programa de computador oficialmente considerado compositor musical, com o \u00f3rg\u00e3o nacional de arrecada\u00e7\u00e3o e distribui\u00e7\u00e3o legitimado para sua representa\u00e7\u00e3o. Trata-se da AIVA, primeira IA juridicamente detentora de direitos de autor. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n <\/a> Neste ensaio tem-se como problema de pesquisa: \u00e9 poss\u00edvel semelhante reconhecimento \u00e0 luz da norma brasileira? A hip\u00f3tese levantada \u00e9 de resultado negativo, assim entendido como n\u00e3o sendo admitido. Neste sentido, o objetivo geral do trabalho \u00e9 explorar o tema, com objetivo espec\u00edfico instruir debate cient\u00edfico. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n <\/a> A pesquisa foi desenvolvida na metodologia hipot\u00e9tico-dedutivo. Valeu-se de levantamento bibliogr\u00e1fico, com an\u00e1lise comparada de legisla\u00e7\u00f5es e qualitativa de dados. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n Assim, inicia-se trazendo apontamentos da doutrina especializada sobre intelig\u00eancia artificial. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n Por Direitos Autorais entende-se o conjunto Direitos de Autor e Direitos Conexos. O Direito de Autor \u201cregula as rela\u00e7\u00f5es jur\u00eddicas decorrentes da cria\u00e7\u00e3o intelectual e a utiliza\u00e7\u00e3o das obras intelectuais pertencentes ao campo de atua\u00e7\u00e3o da literatura, das artes e das ci\u00eancias\u201d (SOARES, 2007, p. 105). Por sua vez, os Direitos Conexos referem-se \u00e0 prote\u00e7\u00e3o jur\u00eddica daqueles que possuem rela\u00e7\u00e3o mediata com a obra, ou, nos termos da legisla\u00e7\u00e3o, artistas int\u00e9rpretes ou executantes, produtores fonogr\u00e1ficos e empresas de radiodifus\u00e3o.<\/span><\/span><\/span>3<\/a><\/span><\/span><\/sup><\/span><\/p>\n O Direito Autoral vigente no Brasil \u00e9 regulamentado pela lei n\u00ba 9.610\/98, denominada Lei de Direitos Autorais (LDA). Versa sobre produ\u00e7\u00f5es liter\u00e1rias, art\u00edsticas e cient\u00edficas, tais como filmes, livros, m\u00fasicas, artes pl\u00e1sticas, base de dados, e outras (art. 7\u00ba). Todas s\u00e3o \u201ccria\u00e7\u00f5es do esp\u00edrito e garantem a evolu\u00e7\u00e3o social e livre circula\u00e7\u00e3o de ideias\u201d (JABUR, 2014, p. 217) <\/span><\/span><\/span><\/p>\n Tamb\u00e9m disp\u00f5e o artigo 7\u00ba da LDA que \u201cs\u00e3o obras intelectuais protegidas as cria\u00e7\u00f5es do esp\u00edrito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte\u201d. Importante notar o termo \u2018cria\u00e7\u00f5es do esp\u00edrito\u2019, demonstrando que autoria adv\u00e9m da rela\u00e7\u00e3o subjetiva do agente com sua cria\u00e7\u00e3o. Santos (2020, p. 29) aponta que \u201cmesmo sem definir o que seja uma obra intelectual, o Legislador desde logo a qualificou uma \u2018cria\u00e7\u00e3o humana\u2019, pois este \u00e9 sentido da express\u00e3o \u2018cria\u00e7\u00e3o do esp\u00edrito\u2019\u201d. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n Assim, tem-se que autor, legisla\u00e7\u00e3o corrente, \u00e9 um agente humano que exterioriza uma obra intelectual. Inclusive, \u201ctradicionalmente, o homem \u00e9 visto como o \u00fanico originador de cria\u00e7\u00f5es intelectuais, qualquer que seja o regime protetivo aplic\u00e1vel\u201d. (Santos, 2020, p. 27). <\/span><\/span><\/span><\/p>\n Outro fundamento para uma obra intelectual ser juridicamente protegida \u00e9 ser original. A quest\u00e3o da originalidade \u2013 muitas vezes referenciada como criatividade \u2013 \u00e9 tema amplo e dif\u00edcil, pois n\u00e3o h\u00e1 defini\u00e7\u00e3o legal, tampouco consenso doutrin\u00e1rio. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n Por fim, deve-se entender que os direitos conexos s\u00e3o independentes (artigo 89, LDA). Portanto, t\u00eam-se que o debate gira em torno dos direitos origin\u00e1rios. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n Sobre intelig\u00eancia artificial, a doutrina autoralista faz anota\u00e7\u00f5es especiais. Inicia-se trazendo o posicionamento de Santos (2020, p. 28): <\/span><\/span><\/span><\/p>\n Por Intelig\u00eancia Artificial deve-se entender a capacidade de um sistema de obter resultados de forma ilimitada e independente, pois \u00e9 dessa maneira que um sistema digital de processamento de informa\u00e7\u00f5es pode de fato emular a intelig\u00eancia humana. O uso da express\u00e3o \u201cIntelig\u00eancia Artificial\u201d \u00e9 consensual e reflete duas caracter\u00edsticas b\u00e1sicas desses sistemas. Primeiro, o termo \u201cintelig\u00eancia\u201d evoca a capacidade de os sistemas digitais poderem aprender e criar solu\u00e7\u00f5es novas, emulando fun\u00e7\u00f5es cognitivas associadas \u00e0 mente humana. Segundo, o termo \u201cartificial\u201d \u00e9 dessa forma usado em contraste \u00e0 intelig\u00eancia natural do Homem.<\/span><\/span><\/span><\/p>\n<\/blockquote>\n <\/b> Conforme entendimento de Rich (1988), \u00e9 poss\u00edvel classificar uma IA quanto \u00e0 sua compet\u00eancia: IA <\/span><\/span><\/span>strong<\/i><\/span><\/span><\/span> (forte) \u00e9 uma IA \u201cgenuinamente inteligente e autoconsciente\u201d (LANA <\/span><\/span><\/span>et al<\/i><\/span><\/span><\/span>, 2021, p. 26) – trata-se de tecnologia ainda somente em obras de fic\u00e7\u00e3o. J\u00e1 IA <\/span><\/span><\/span>weak<\/i><\/span><\/span><\/span> (fraca) s\u00e3o as presentes no mercado econ\u00f4mico, \u201cnomeadamente sistemas que exibam comportamentos considerados como inteligentes apesar de serem apenas m\u00e1quinas.\u201d (<\/span><\/span><\/span>oc<\/i><\/span><\/span><\/span>. p. 27). Ainda, pode ser <\/span><\/span><\/span>narrow <\/i><\/span><\/span><\/span>(estreita) – uma IA que realiza somente uma \u00fanica tarefa ou \u201cum sistema de intelig\u00eancia artificial n\u00e3o capaz de verdadeiramente raciocinar e resolver problemas\u201d (SALMEM, 2020, p. 86) – ou <\/span><\/span><\/span>general<\/i><\/span><\/span><\/span> (geral), uma IA capaz de realizar qualquer tipo de tarefa intelectual, hip\u00f3tese em que \u201cestes sistemas n\u00e3o seriam apenas simula\u00e7\u00f5es de intelig\u00eancia, mas entidades realmente inteligentes\u201d (<\/span><\/span><\/span>oc<\/i><\/span><\/span><\/span>, p. 87). <\/span><\/span><\/span><\/p>\n Em posse de tais conceitos, definiram-se duas intersec\u00e7\u00f5es de Intelig\u00eancia Artificial com Direitos Autorais: se obra foi assistida pela IA (<\/span><\/span><\/span>Computer Assisted Works<\/i><\/span><\/span><\/span>) ou se ela foi gerada totalmente por uma IA (<\/span><\/span><\/span>Computer Generated Works)<\/i><\/span><\/span><\/span><\/p>\n Santos (2020, p. 30), explica as <\/span><\/span><\/span>Computer Assisted Works<\/i><\/span><\/span><\/span>: \u201cNesse caso, a m\u00e1quina \u00e9 operada por algu\u00e9m que fornece ao computador as necess\u00e1rias instru\u00e7\u00f5es para a realiza\u00e7\u00e3o das diferentes tarefas de que resultar\u00e1 uma obra intelectual\u201d. E, portanto, \u201ctrata-se de cria\u00e7\u00e3o humana em que a m\u00e1quina apenas funciona como uma ferramenta sob controle do criador\u201d. Nesta modalidade a IA \u00e9 apenas um instrumento para a cria\u00e7\u00e3o intelectual, como um viol\u00e3o, um pincel ou uma m\u00e1quina fotogr\u00e1fica. N\u00e3o h\u00e1 d\u00favida sobre o titular de direitos autorais neste tipo de obra: pertencem ao usu\u00e1rio, controlador da ferramenta e real criador da obra. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n J\u00e1 as <\/span><\/span><\/span>Computer Generated Works<\/i><\/span><\/span><\/span> s\u00e3o obras geradas totalmente pela IA. Recorre-se novamente a Santos (2020, p. 31): <\/span><\/span><\/span><\/p>\n <\/a> Diferentes das \u201cComputer Assisted Works\u201d s\u00e3o as \u201cComputer Generated Works\u201d, porque neste caso \u00e9 um\u00a0<\/span>software<\/span><\/em>\u00a0que efetivamente gera a cria\u00e7\u00e3o intelectual. Existem, contudo, duas categorias de cria\u00e7\u00f5es geradas dessa forma: na primeira, o sistema escolhe alternativas predefinidas, como no caso de videojogos, em que h\u00e1 uma rela\u00e7\u00e3o de causalidade entre o programador, o usu\u00e1rio e o resultado; na segunda, \u00e9 o sistema que, operando com Intelig\u00eancia Artificial, efetivamente gera novas cria\u00e7\u00f5es. Nesta situa\u00e7\u00e3o, n\u00e3o \u00e9 o homem que determina diretamente o resultado, j\u00e1 que este depende de combina\u00e7\u00f5es aleat\u00f3rias efetuadas pelo\u00a0<\/span>software<\/span><\/em>\u00a0a partir de uma base de dados, inexistindo uma rela\u00e7\u00e3o de causalidade direta entre o programador ou usu\u00e1rio do\u00a0<\/span>software<\/span><\/em>\u00a0e o resultado gerado pelo sistema.<\/span><\/span><\/span><\/p>\n<\/blockquote>\n E s\u00e3o exatamente estas est\u00e3o no centro do debate doutrin\u00e1rio4<\/sup><\/a>. Existem quatro principais correntes: (I) deve-se considerar o grau de influ\u00eancia do usu\u00e1rio e da pr\u00f3pria IA para estabelecer autoria ou at\u00e9 coautoria; (II) autor ser\u00e1 sempre o usu\u00e1rio da IA; (III) a paternidade da obra caberia somente ao programador e desenvolvedor da IA; (IV) as obras criadas por IA devem ser consideradas como dom\u00ednio p\u00fablico. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n <\/b>Todavia, h\u00e1 que se debater sobre a AIVA, programa de computador que foge das solu\u00e7\u00f5es supracitadas. <\/span><\/span><\/p>\n Artista Virtual de Intelig\u00eancia Artificial (AIVA em ingl\u00eas), \u00e9 uma \u201cIA capaz de compor trilhas sonoras emocionais para filmes, videogames, an\u00fancios publicit\u00e1rios e qualquer tipo de conte\u00fado de entretenimento” (AIVA 2016). Foi criada em fevereiro de 2016 por Pierre Barreau, inspirado no filme ELA5<\/sup><\/a>. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n <\/b>Inicialmente a AIVA foi cunhada para superar o bloqueio criativo. Por isso, desenhou-se \u201cum algoritmo capaz de criar rapidamente muitas m\u00fasicas e dispon\u00edveis instantaneamente\u201d. (BARREAU, 2017). Contudo, como se ver\u00e1, o resultado jur\u00eddico foi al\u00e9m do previsto. <\/span><\/span><\/span><\/p>\n O m\u00e9todo de elabora\u00e7\u00e3o de m\u00fasicas pela AIVA \u00e9 interessante e merece aten\u00e7\u00e3o. Contudo, aprofundar neste aspecto escapa ao presente ensaio. N\u00e3o obstante, deve-se notar, primordialmente, tratar-se de uma IA <\/span><\/span><\/span>weak<\/i><\/span><\/span><\/span> e <\/span><\/span><\/span>INTRODU\u00c7\u00c3O<\/b><\/span><\/span><\/span><\/h2>\n
I. INTELIGENCIA ARTIFICIAL NA DOUTRINA DE DIREITO AUTORAL<\/b><\/span><\/span><\/h2>\n
I. IA<\/b><\/span><\/span><\/h3>\n
\n
\n
II. AIVA <\/b><\/span><\/span><\/h3>\n