{"id":2962,"date":"2022-03-15T13:15:47","date_gmt":"2022-03-15T16:15:47","guid":{"rendered":"https:\/\/data.ioda.org.br\/?p=2962"},"modified":"2024-12-07T13:16:07","modified_gmt":"2024-12-07T16:16:07","slug":"protecao-intelectual-de-obras-produzidas-por-sistemas-baseados-em-inteligencia-artificial-uma-visao-tecnicista-sobre-o-tema","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/data.ioda.org.br\/publicacoes\/artigos\/protecao-intelectual-de-obras-produzidas-por-sistemas-baseados-em-inteligencia-artificial-uma-visao-tecnicista-sobre-o-tema\/","title":{"rendered":"Prote\u00e7\u00e3o intelectual de obras produzidas por sistemas baseados em intelig\u00eancia artificial: uma vis\u00e3o tecnicista sobre o tema"},"content":{"rendered":"
O estudo de F\u00e1bio Manoel Fran\u00e7a Lobato, vinculado \u00e0 Universidade Federal do Oeste do Par\u00e1, aborda as implica\u00e7\u00f5es da Intelig\u00eancia Artificial (IA) no contexto do Direito Autoral. Com exemplos pr\u00e1ticos e uma an\u00e1lise detalhada das bases tecnol\u00f3gicas e jur\u00eddicas, o autor questiona como as cria\u00e7\u00f5es feitas por sistemas de IA podem ser protegidas por direitos autorais.<\/p>\n
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F\u00e1bio Manoel Fran\u00e7a Lobato<\/a> \u00c9 ineg\u00e1vel a pervasividade da Intelig\u00eancia Artificial (IA) em nossa sociedade. Um exemplo interessante trata sobre o uso da IA no combate a pandemia da COVID-19 [Bullock et al., 2020]. At\u00e9 nas artes a IA est\u00e1 presente. Um caso not\u00f3rio \u00e9 da m\u00fasica \u201cHey Ya!\u201d do grupo OutKast, sucesso nos anos 2000 descrito por [Roberts, 2020]. Nesta \u00e9poca, a ind\u00fastria fonogr\u00e1fica come\u00e7ou a tomar decis\u00f5es baseadas em dados para tra\u00e7ar estrat\u00e9gias a partir de previs\u00f5es dos h\u00e1bitos dos ouvintes. Em um breve resumo, um programa para detec\u00e7\u00e3o de sucesso apontou \u201cHey Ya!\u201d como um hit em potencial, mas o seu lan\u00e7amento n\u00e3o teve o impacto esperado logo de imediato. Recorreram ent\u00e3o ao comportamento do consumidor e colocaram a m\u00fasica pr\u00f3xima entre outros hits do momento, resultado: \u201cHey Ya!\u201d viralizou.<\/p>\n Este \u00e9 apenas um dos in\u00fameros exemplos de aplica\u00e7\u00e3o de IA nas artes. O advento da aprendizagem profunda possibilitou a constru\u00e7\u00e3o de sistemas capazes de reconhecer o estilo art\u00edstico em pinturas de forma mais acurada [Lecoutre et al., 2017]. A gera\u00e7\u00e3o de conte\u00fado tamb\u00e9m \u00e9 poss\u00edvel, por exemplo, o Deepart customiza imagens a partir de dois inputs: 1) uma Tais possibilidades trazem \u00e0 baila questionamentos acerca da propriedade intelectual de tais obras. Neste ensejo, a quem pertence o direito autoral de uma obra produzida a partir de um sistema baseado em Intelig\u00eancia Artificial? Ao criador da IA? A empresa\/corpora\u00e7\u00e3o que subsidiou o desenvolvimento deste sistema? Ou a pr\u00f3pria IA enquanto entidade criadora?<\/p>\n Este ensaio visa contribuir com uma vis\u00e3o tecnicista sobre a discuss\u00e3o da aplicabilidade de direito autoral a partir de obras produzidas por IA. O restante do manuscrito encontra-se organizado como segue. Na Se\u00e7\u00e3o 2 apresento um breve contexto da IA, destacando a sua evolu\u00e7\u00e3o conceitual. Na Se\u00e7\u00e3o 3 trato sobre a fronteira de IA e a sua rela\u00e7\u00e3o com a chamada \u201cIA Forte\u201d. O processo de constru\u00e7\u00e3o de um modelo baseado em IA \u00e9 discutido na Se\u00e7\u00e3o 4. Por fim, algumas considera\u00e7\u00f5es finais s\u00e3o feitas na Se\u00e7\u00e3o 5.<\/p>\n A despeito da vis\u00e3o unicionista e ficcional do grande p\u00fablico, onde o rob\u00f4 \u00e9 uma entidade de IA \u00fanica, dotado de consci\u00eancia, capaz de tomar decis\u00f5es racionais em n\u00edvel humano, a IA de fronteira aponta para outra dire\u00e7\u00e3o. Antes de dissertar sobre, \u00e9 necess\u00e1rio entender os motivos pelos quais esta vis\u00e3o est\u00e1 t\u00e3o arraigada. Russel Stuard e Peter Norvig destacam uma declara\u00e7\u00e3o de Hebert Simon em 1957:<\/p>\n \u201cN\u00e3o \u00e9 meu objetivo surpreend\u00ea-los ou choc\u00e1-los, mas o modo mais simples de resumir tudo isso \u00e9 dizer que agora existem no mundo m\u00e1quinas que pensam, aprendem e criam. Al\u00e9m disso, sua capacidade de realizar essas atividades est\u00e1 crescendo rapidamente at\u00e9 o ponto \u2014 em um futuro vis\u00edvel \u2014 no qual a variedade de problemas com que elas poder\u00e3o lidar ser\u00e1 correspondente \u00e0 variedade de problemas com os quais lida a mente humana.\u201d [Russell and Norvig, 2002]<\/p><\/blockquote>\n Pr\u00eamio Turing (1975) e Pr\u00eamio Nobel (1978), Hebert Simon contribuiu notavelmente para teorias de decis\u00e3o em organiza\u00e7\u00f5es baseadas em satisfa\u00e7\u00e3o e com racionalidade limitada. Um de seus trabalhos seminais, o livro \u201cThe sciences of the artificial\u201d<\/em> influenciou fortemente a \u00e1rea chamada de \u201cDesign theory\u201d,<\/em> que trouxe bases cient\u00edficas ao projeto de sistemas artificiais – n\u00e3o somente baseadas em IA, mas tamb\u00e9m, \u201cpara todos os campos (do conhecimento) que criam artefatos para desenvolver tarefas ou cumprir objetivos e fun\u00e7\u00f5es\u201d(<\/em>1) [Simon, 1996] – Tradu\u00e7\u00e3o e grifo do autor.<\/p>\n A perspectiva de que a constru\u00e7\u00e3o de artefatos, tamb\u00e9m chamados de sistemas artificiais – e, refor\u00e7o, n\u00e3o necessariamente baseados em IA, pode vir acompanhado da constru\u00e7\u00e3o de conhecimento, revolucionou alguns campos, dentre os quais a pr\u00f3pria IA, que teve um impulso quando passou a adotar com firmeza o m\u00e9todo cient\u00edfico, onde as hip\u00f3teses passaram a ser submetidas a experimentos rigorosamente projetados [Cohen, 1995].<\/p>\n Al\u00e9m da ado\u00e7\u00e3o de testes estat\u00edsticos e avalia\u00e7\u00e3o rigorosa de desempenho, o pr\u00f3prio projeto dos sistemas inteligentes passou a ter m\u00e9todos apropriados. Destaco aqui o processo de descoberta de conhecimentos em bases de dados, por seu termo em l\u00edngua inglesa Knowledge Discovery in Databases<\/em> (KDD) proposto no trabalho seminal de Fayyad, Piatesky-Shapiro e Smyth em 1997 [Fayyad et al., 1996] e uma vers\u00e3o mais gen\u00e9rica bastante utilizada em Sistemas de informa\u00e7\u00e3o que \u00e9 o Design Science Research<\/em> (DSR) [Hevner and Chatterjee, 2010, Gregor and Hevner, 2013]. Mais a frente irei dissertar sobre tais metodologias e contextualiz\u00e1-las ao projeto de sistemas inteligentes.<\/p>\n Mas, o que \u00e9 ent\u00e3o a Intelig\u00eancia Artificial? Empresto aqui algumas defini\u00e7\u00f5es organizadas por [Russell and Norvig, 2002]:<\/p>\n Organizei os conceitos em ordem cronol\u00f3gica para evidenciar o distanciamento do pensamento humano e intelig\u00eancia (defini\u00e7\u00f5es 1 e 2), para a execu\u00e7\u00e3o de atividades (defini\u00e7\u00e3o 3) e posteriormente para o projeto de agentes inteligentes (defini\u00e7\u00f5es 4 e 5). Essa mudan\u00e7a adveio, dentre outros fatores, as limita\u00e7\u00f5es t\u00e9cnicas – tanto do entendimento do pensamento humano, quanto da capacidade de modelagem de tal processo. Este redirecionamento das pesquisas em IA nos leva para um questionamento importante, a \u201cIA forte\u201d realmente existe?<\/p>\n A influ\u00eancia do pensamento do pr\u00f3prio Alan Turing, considerado o pai da IA, de Hebert Simon e outros, consolidou o conceito de uma \u201cIntelig\u00eancia Artificial Geral\u201d (IAG). De fato, a IAG foi o objetivo basilar dos prim\u00f3rdios da IA, onde acreditava-se que a intelig\u00eancia de uma m\u00e1quina poderia executar com sucesso qualquer tarefa intelectual que um ser humano pode, tamb\u00e9m chamada de \u201cIA Forte\u201d ou \u201cIA Completa\u201d [Baum, 2017]. Tamb\u00e9m \u00e9 poss\u00edvel definir a IAG como o campo de pesquisa que estuda m\u00e1quinas capazes de executar uma a\u00e7\u00e3o (ou decis\u00e3o) superior ao intelecto humano [Gill, 2016].<\/p>\n Para entender o conceito de \u201cIA Forte\u201d, precisamos do conceito de Teste de Turing. Em sua mais recente obra, Stuart Russel afirma:<\/p>\n \u201c(…) ele (Turing) prop\u00f4s um teste operacional para intelig\u00eancia, chamado de jogo da imita\u00e7\u00e3o, que mais tarde (numa forma simplificada ficaria conhecido como teste de Turing. O teste avalia o comportamento da m\u00e1quina – especificamente, sua capacidade de enganar um interrogador humano e lev\u00e1-lo a acreditar que ela \u00e9 humana.\u201d<\/em> [Russell, 2019]<\/p><\/blockquote>\n O mais importante, a m\u00e1quina estaria dotada de consci\u00eancia, ou seja, ela precisaria estar ciente de seus pr\u00f3prios estados mentais e suas a\u00e7\u00f5es [Russell and Norvig, 2002]. Em [Russell, 2019], o autor complementa:<\/p>\n \u201cTuring esperava direcionar a discuss\u00e3o para a quest\u00e3o de saber se uma m\u00e1quina poderia se comportar de determinada maneira; e, em caso positivo – se fosse capaz, por exemplo, de discursar razoavelmente sobre os sonetos de Shakespeare e seu significado -, o ceticismo sobre a IA se tornaria insustent\u00e1vel. (…) Na verdade, Turing escreveu \u2019N\u00e3o poderiam as m\u00e1quinas executar coisas descritas como pensamento, mas muito diferente do que um ser humano faz?\u2019. Outro motivo para n\u00e3o ver o teste como uma defini\u00e7\u00e3o de IA \u00e9 que \u00e9 terr\u00edvel trabalhar com essa defini\u00e7\u00e3o, e \u00e9 por isso que os mais importantes pesquisadores de IA quase n\u00e3o se esfor\u00e7am para passar no teste de Turing.\u201d<\/em><\/p><\/blockquote>\n Avaliando a fronteira em IA, percebe-se que os esfor\u00e7os mais pr\u00f3ximos de uma \u201cconsci\u00eancia\u201d est\u00e3o em um campo chamado \u201cExplainable Artificial Intelligence\u201d<\/em> (XAI) ou em conceitos correlatos como IA interpret\u00e1vel ou IA respons\u00e1vel [Adadi and Berrada, 2018]. Tal campo de pesquisa surgiu a partir de press\u00f5es sociais e, consequentemente, de ag\u00eancias regulat\u00f3rias, de que o sistema baseado em IA fornecesse n\u00e3o somente a decis\u00e3o mais prov\u00e1vel (predi\u00e7\u00e3o) quanto tamb\u00e9m uma explica\u00e7\u00e3o – quais motivos o levaram a tomar tal decis\u00e3o.<\/p>\n O livro Weapons of math destruction: how big data increases inequality and threatens democracy<\/em> apresenta um bom resumo dos motivos pelos quais a XAI \u00e9 t\u00e3o necess\u00e1ria, dentre os quais, destaco a escalabilidade, o vi\u00e9s inerente aos dados rotulados com decis\u00f5es humanas pr\u00e9vias (j\u00e1 enviesados) e o potencial impacto catastr\u00f3fico de tais sistemas [O\u2019neil, 2016]. O document\u00e1rio Coded Bias (2)<\/em>, dispon\u00edvel na plataforma de streamingNetflix tamb\u00e9m \u00e9 um material rico de informa\u00e7\u00f5es sobre este tema. Encerro esta se\u00e7\u00e3o com a pondera\u00e7\u00e3o feita por [Russell, 2019]:<\/p>\n \u201cO teste de Turing n\u00e3o tem utilidade para a IA porque \u00e9 uma defini\u00e7\u00e3o simples e altamente condicional: depende das caracter\u00edsticas imensamente complicadas e basicamente desconhecidas da mente humana, que nascem tanto da biologia como da cultura.\u201d<\/em><\/p><\/blockquote>\n Se o Teste de Turing<\/strong><\/a> n\u00e3o \u00e9 o objetivo dos pesquisadores de IA, o que move este campo? Para entender, retomo o Design Science Research<\/em><\/strong><\/a> e o processo de KDD, descritos por [Hevner and Chatterjee, 2010] e [Fayyad et al., 1996] respectivamente. O DSR \u00e9 um processo de seis etapas encadeadas. As fases s\u00e3o: i) identifica\u00e7\u00e3o do problema e motiva\u00e7\u00e3o; ii) defini\u00e7\u00e3o dos objetivos da solu\u00e7\u00e3o; iii) Projeto e desenvolvimento da solu\u00e7\u00e3o (etapa de design<\/em>); iv) demonstra\u00e7\u00e3o que o artefato resolve uma ou mais inst\u00e2ncias do problema; v) avalia\u00e7\u00e3o da efici\u00eancia do artefato; vi) comunica\u00e7\u00e3o dos achados. Importante notar que o in\u00edcio do processo pode ocorrer em uma das quatro etapas iniciais, n\u00e3o tendo que iniciar obrigatoriamente da primeira. O desenho esquem\u00e1tico do DSR pode ser visto na Figura 1.<\/p>\n Figura 1: Etapas da metodologia DSR. Fonte: Adaptado de [Hevner and Chatterjee, 2010]<\/p>\n Figura 2: Etapas do KDD. Fonte: Extra\u00eddo de [Lira et al., 2016]<\/p>\n O interessante do DSR \u00e9 que ele permite a constru\u00e7\u00e3o de conhecimento antes, durante e ap\u00f3s a constru\u00e7\u00e3o do artefato, al\u00e9m de deixar claro os objetivos (utilidade) e desempenho (avalia\u00e7\u00e3o) dos constructos. Por isso esta metodologia \u00e9 t\u00e3o utilizada em sistemas de informa\u00e7\u00e3o que visam a inova\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica[Gregor and Hevner, 2013].<\/p>\n \u00c9 poss\u00edvel notar uma clara similaridade entre o DSR e o processo de KDD, cujas etapas encontram-se descritas na Figura 2. Enquanto o KDD \u00e9 mais centrado nos dados, desde a sele\u00e7\u00e3o das bases at\u00e9 o uso do seu conhecimento – geralmente incorporado em um sistema de suporte \u00e0 decis\u00e3o (e.g.: an\u00e1lise de cr\u00e9dito banc\u00e1rio [Addo et al., 2018]; predi\u00e7\u00e3o de suic\u00eddio baseado em dados de m\u00eddias sociais [Roy et al., 2020] etc).<\/p>\n
\nUniversidade Federal do Oeste do Par\u00e1<\/a>
\n{fabio.lobato@ufopa.edu.br}<\/p>\n1 Introdu\u00e7\u00e3o<\/h2>\n
\nNeste trabalho, Bullock e colaboradores conduziram uma revis\u00e3o da literatura categorizando estudos a n\u00edvel molecular, cl\u00ednico e social. Em todos os n\u00edveis o uso da IA foi evidenciado,
\nincluindo atividades como: descoberta de f\u00e1rmacos e desenvolvimento de vacinas; planejamento hospitalar; modelagem de perfis epidemiol\u00f3gicos; e difus\u00e3o de desinforma\u00e7\u00e3o em redes sociais, por exemplo.<\/p>\n
\nimagem a ser customizada; 2) um estilo de pintura [Mao et al., 2017]. A gera\u00e7\u00e3o de m\u00fasicas de acordo com determinados estilos a partir de sistemas baseados em IA, tamb\u00e9m, j\u00e1 \u00e9 poss\u00edvel [Briot et al., 2017].<\/p>\n2 O que \u00e9 a Intelig\u00eancia Artificial?<\/h2>\n
\n
3 A \u201cIA forte\u201d existe?<\/h2>\n
4 O processo de constru\u00e7\u00e3o de um modelo baseado em IA<\/h2>\n
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