DIREITOS AUTORAIS SOBRE OBRAS CRIADAS POR INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: REVISÃO SISTEMÁTICA

por | abr 1, 2022 | Artigos | 0 Comentários

IAGO GONÇALVES BATISTA

RESUMO

Trata-se de uma revisão sistemática qualitativa de caráter exploratório que teve como objetivo buscar artigos que revelassem os contornos nas obras produzidas por inteligência artificial e direito autoral, traçando os desafios e enfrentamentos desta tecnologia que adentra na produção artística. Para a coleta de dados foi utilizada a base de dados SCOPUS, fornecida pela CAPES, sendo também utilizados os artigos publicados no Brasil. Desses, foram selecionados os artigos mais citados e relevantes na plataforma de pesquisa, cingindo-se a artigos publicados entre 2017 e 2021. Os resultados apontaram que as obras criadas por inteligência artificial, além de serem produzidas autonomamente sem intervenção humana, possuem como fonte base de dados de outras obras as quais pode não haver autorização para sua utilização. Dessa forma, pode acarretar inúmeras infrações a direitos de obras alheias, sobretudo aos direitos morais em caso de desvirtuamento da obra, em razão da dificuldade em se adquirir seus direitos, inclusive das obras órfãs. Além disso, verificou-se tendência em transferir-se a autoria dessas obras para o utilizador, desenvolvedor ou ainda mantê-la em domínio público. Em paralelo, observou que os algoritmos de verificação de copyright nas plataformas digitais de mídia podem ser arbitrários no reconhecimento de infrações, orientando-se em muitos casos a fiscalização a posteriori a partir de provocação do interessado. Por fim, concluiu-se que o tema sobreleva a importância de experimentação para que se estipulem novos meios de remuneração e regulação, uma vez que o impacto na economia e na atividade criativa carece de estudos.

PALAVRAS-CHAVE: Inteligência Artificial. Obra. Autoria. Revisão.

1. INTRODUÇÃO

A inteligência artificial tem sido incorporada para as mais diversas aplicações na sociedade. A princípio, desafiava-se a imitar o motriz do pensamento criativo humano. Ocorre que atualmente são equiparáveis suas criações às humanas, sendo indistinguível o produto quando se utilizam da inteligência artificial, tendo obras artísticas, tais como livros, músicas, obras de arte criadas autonomamente com a respectiva tecnologia.

Denota-se ainda que parte das inteligências artificiais sejam seguramente autônomas, isto é, sem gerência de um humano durante sua criação. Considerando que a legislação autoral, sobretudo ocidental, concentra-se a produção artística sob a personalidade humana, de caráter antropocêntrico, tal salto tecnológico representa o rompimento com costume legislativo que remonta ao artista romântico cuja crença da criação artística é unicamente fruto de eventual inspiração subjetiva.

Na realidade, tanto a criação humana como a realizada por inteligência artificial se procedem a partir da identificação de padrões, este através do banco de dados subsidia sua criação, aquele por encontrar semanticamente valores parecidos a fim de representar na arte a manifestação do espírito humano. Por exemplo, a IA pode simular a sensação de dor através de parâmetros, mas não reproduzir, pois não reconhece seu significado.

Aprofundando-se acerca do processo criativo da IA, funciona numa tríade, que compreende o banco de dados, o software ou programa (a linguagem de programação) e hardware (maquinário físico capaz de suportar seu funcionamento). Assim, quanto mais extensa a base de dados que serve a busca por informações, maior será a percepção de padrões e a robustez do trabalho final.

A lógica de que o direito autoral se situaria a fim de suprir uma falha de mercado é errônea, uma vez que não há correspondência entre proteção autoral e remuneração aos criadores de conteúdo, pois se nota ainda que o curto intervalo de tempo na exploração de determinada obra se comparado ao prazo vigente de proteção de setenta anos. Frente à produção por IA, abrem-se caminhos para a proteção destas obras.

Dividem-se as alternativas em criar-se um direito sui generis, que escapa o sistema instituído atualmente, direitos conexos, visando determinar a quem pertence às obras produzidas ou ainda permanecer no domínio público.

Focar-se-á nas possibilidades de lidar com a produção através de inteligência artificial, explorando as ferramentas à disposição e relacionando os atributos nesses tipos de aplicações.

2. METODOLOGIA

A pesquisa bibliográfica fundamentou o desenvolvimento do referencial teórico, porque as informações necessárias para o desenvolvimento da pesquisa são provenientes da literatura científica como artigos, manuais, livros. Trata-se de revisão sistemática exploratória em que se busca sintetizar a problemática atual.

Este é um estudo qualitativo de revisão sistemática de caráter exploratório que se procedeu pela busca bibliográfica indexada na base de dados SCOPUS, fornecido pela CAPES via acesso café, entre 24 de dezembro a 10 de janeiro de 2022, foi definido como critério, artigos publicados entre os anos 2017 até 2021 dada a ascensão da produção científica nesse intervalo.

Não foi limitado na busca o idioma embora a predominância do inglês, mesmo em artigos publicados por brasileiros. As palavras-chaves utilizadas foram: “artificial”, com operador booleano AND, “intelligence” e operador booleano AND e “copyright” a fim de especificar a busca pela produção de obras por inteligência artificial e sua relação com os direitos autorais. Procurou-se selecionar os artigos mais citados e de maior relevância, filtrando-se pelas seguintes áreas: Social Sciences, Decision Sciences, Business, Management and Accounting, Arts and Humanities, Economics, Econometrics and Finance. Foram ainda utilizados artigos produzidos no Brasil na área de pesquisa o qual foi selecionado o material mais atual e relevante no mesmo corte temporal.

  1. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Encontrou-se de forma persistente na pesquisa realizada a busca por transferir à autoria da produção intermediada pela inteligência artificial para quem designa e orienta os parâmetros de sua produção sob a justificativa do desenvolvimento tecnológico. De acordo com Lu (2021), valorizaria as escolhas artísticas para tal produção, sendo possível sua exploração econômica e incentivando a inovação com sua disseminação. Determinada pretensão, a de transferir para quem cria, a obra fruto de inteligência artificial, para outro agente distoa das normas legais de caráter antropocêntrico, centralizando-se na figura do criador os direitos sobre a obra. Este que segundo Gonçalves e Lana (2019) “(…) lembra que o autor e criador é também quem escolhe entre as alternativas de expressão”.

Ocorre que a maioria dessas produções são autônomas atualmente, sendo desconhecidas até mesmo pelos desenvolvedores o produto do processo informativo. É agravada essa distância entre coordenador da inteligência artificial pela extensa base de dados que subsidia seu processo de criação. Dessa forma, depende de como é alimentada a base de dados que surte efeito na medida em que dispõe de informação que através do big data há o processamento, organização e classificação de um volume grande de dados, momento em que se verificam padrões.

Na imensidão de dados que subsidia as obras criadas por IA, existem obras de autores desconhecidos que não alcançam ou não possuem apelo de mercado, mas que sua criação colabora para os fins da inteligência artificial, servindo unicamente para a captação de padrões pela IA, ainda que mínimo. De acordo com Levendowski (2018), é plausível que se utilize em seu banco de dados cópias não autorizadas e que fariam parte de sua fonte de criação, além disso, ainda existem as obras órfãs, em que não há dono.

Cita-se a impossibilidade de negociar com todos esses autores dada a existências de obras órfãs, as de difícil negociação coletiva, inviável economicamente ou ainda em manifesto desinteresse por parte do autor. O custo de tal empreitada é elevado, caso contrário se feito à revelia da lei, gera indefinidas lesões aos direitos sobre a obra.

Assim, Creative Commons deixaria a obra que lhe serve de base dividida em diversas camadas as possibilidades de proteção, numa dessas possibilitando a utilização para os fins de utilização em inteligência artificial, como camadas de cebola em que há diversas esferas capazes de atingir direitos autorais que se fragmentam, sem prejudicar a exploração ordinária da obra. Poderia ainda especificar que tal empréstimo serviria apenas para fins comerciais ou não. De acordo com Herr (2021), a alternativa Creative Commons na corte Americana tem aplicado adequadamente o instituto, se socorrendo ainda das responsabilidades civis cabíveis, custos judiciais e honorários advocatícios.

As formas de remunerar o criador de determinada obra não perpassam unicamente pelo direito autoral, uma vez que se situam nas plataformas digitais como Youtube, Google e outras, as quais tendem a ser o local em que se monetiza o conteúdo e há divulgação, sendo ali valorizada e posta ao público, investigar os algoritmos de publicidade e manutenção desses conteúdos nas plataformas é premente dada a arbitrariedade dessas ferramentas autônomas.

De acordo com O’Neil (2020), os algoritmos que subsidiam as aplicações em conjunto com big data são enviesados, pois partem de um pressuposto aparentemente verdadeiro se levado em consideração seu banco de dados, mas que não retrata a realidade dos fatos. Possuindo, pois, grande capacidade de subverter a finalidade da obra de determinado autor. Acerca do caráter condicionante das novas tecnologias, Lévy (1999) expõe: “dizer que a técnica condiciona significa dizer que abre algumas possibilidades, que algumas opções culturais ou sociais não poderiam ser pensadas a sério sem sua presença”.

Como observado, a própria IA de copyright destas plataformas está determinando o que deve se manter na plataforma ou não, criando-se dessa forma um direito paralelo sem defesa prévia em relação ao conteúdo produzido, o qual é agravado dada a dinâmica dessas plataformas. De acordo com Burk (2019), esses algoritmos poderiam carregar maior correspondência ao que é decidido nos tribunais acerca de direito autoral, uma vez que permitir a livre movimentação de conteúdo não se mostra razoável, então surgem duas alternativas, instruir melhor o algoritmo de fiscalização e remoção de conteúdo ou instituir amplamente o Fair Use de modo absoluto, sendo a análise de conteúdo realizada posteriormente a partir de provocação, argumenta-se ainda o referido autor que poucos se valem efetivamente do judiciário para fazer valer seu direito dado o escasso acesso à justiça, sendo majoritariamente pertencente a grandes grupos econômicos.

O instituto Fair Use parte do pressuposto que não haveria remoção de conteúdo, transferindo-se ao autor a iniciativa em remover a imagem, o áudio, a fonografia, a sonografia, caso se sinta lesado pela utilização alheia de sua obra, sendo uma questão legal entre a permissividade e se a fiscalização a posteriori não fomentaria comportamento eticamente reprovável. Cita-se que o referido instituto é uma norma aberta, sendo passível de interpretações a cada caso concreto.

Além do aspecto exploratório nas obras introduzidas no mercado, existem os direitos morais sobre a obra, de ordem não econômica, cujo intuito é o não desvirtuarmento dos fins da obra, questiona-se se a obra de propriedade de inteligência artificial seria capaz de buscar a reparação pelo desvio de sua finalidade. De acordo com Miernicki e Ng (2021), a teoria dualista do direito moral sobre as obras deriva da personalidade, a inteligência artificial não detém esta natureza inata aos humanos, porém é notável que um dos aspectos da criação é o respeito quanto à finalidade de sua obra, concluindo que o avanço legislativo deve abarcar os direitos morais sobre as obras derivadas de IA.

Urge comentar acerca tratamento díspar em relação ao alcance e respeito às obras as quais repousam os direitos autorais e a capacidade de impugnar o uso por terceiros. De acordo com Matulionyte (2021), a título de exemplo na Austrália, não há limitação clara dos direitos morais do autor, considerando o desvio na utilização para subsidiar a aplicação de IA, mostra-se como arriscada medida aos desenvolvedores de IA nessa localidade. Ao contrário dos países que adotam o Fair Use, como os Estados Unidos, tem-se que na Austrália o regime de direito autoral prejudica a previsibilidade acerca de eventual lesão a direito de autor e até que ponto alcançaria tal previsão legal.

A falta de harmonização quanto à natureza do direito autoral por si só levanta diferenças inconciliáveis. De acordo com Guadamuz (2017), o padrão europeu remonta o do autor romântico e vigente há séculos, o da UK foca na habilidade e trabalho, ou seja, o empenho na produção autoral, por sua vez, Estados Unidos e Austrália vigem sistemas derivativos do europeu.

Desse modo, observa-se que normas opostas quanto ao seu objetivo regulam direitos autorais podem ser abertas, tornando-se insegura sua indexação na base de dados ou fechadas demais sendo inviável sua exploração. Portanto, o tratamento heterogêneo do tema carece de maior desenvolvimento, uma vez que há a coexistência na base de dados tanto de conteúdos regidos por uma norma quanto por outra.

Quanto à titularidade da obra produzida por inteligência artificial, a figura do desenvolvedor, próximo da criação da inteligência artificial cuja pretensão de ser o autor original da obra é inata à sua atividade, eleva a urgência de explicar o processo de criação de software nesse nível e a dificuldade em se aferir a quem detém as coordenadas para a criação da inteligência artificial. Contudo, conforme Lana (2021) as equipes de desenvolvimento deste tipo de software são compostas de diversos agentes e a dificuldade em aferir a contribuição de cada agente dificulta a imputação de sua criação. Dessa forma, a dificuldade no rastreamento dos inputs e a valorização dessas respectivas ações é evidente.

Questiona-se se a utilizadora como proprietária dos direitos autorais sobre a obra, a empresa detentora e financiadora do projeto, recairia eventual responsabilidade das falhas na IA. De acordo com Lana (2021), transferir a propriedade para a empresa, geralmente uma big tech, uma vez que detém maiores condições de reparar o dano aos usuários e principalmente por infração aos direitos autorais das obras que subsidiam a aplicação de IA. Somado a isso, o mesmo autor menciona que respectivo modelo valoriza o desenvolvimento tecnológico.

Os desafios para a regulamentação da atividade inventiva realizada através de inteligência artificial são inúmeros, uma vez que afasta do conceito de autor insculpido pelos primeiros diplomas normativos relativo ao direito autoral que se arrastam até hoje, com poucas adequações. Menciona-se, por fim, que o direito autoral não é requisito para a exploração da criação, tendo sobretudo na internet a exploração através de publicidade, conteúdo atrativo, capazes de gerar a monetização a quem a lei determinar como detentor da criação.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, observa-se que a auditoria acerca do funcionamento da IA é requisito imprescindível para aferir como se dá o efetivo manuseio dos dados pela inteligência artificial, repousando sobre essa atividade normas de proteção a dados e direitos autorais alheios, assim sendo a verificação do desvirtuamento das obras que subsidiam a IA tarefa primordial em sua fiscalização.

A conciliação de interesses e o desenvolvimento tecnológico é fundamental para que se pondere a realização desse tipo de obra e os contornos à sua volta a fim de evitar a exclusão de um ou de outro, devendo se chegar a um sistema de caráter homogêneo a nível internacional. Assim, protegendo as obras que subsidiam as aplicações de inteligência artificial, sem descartar o fomento nesse novo tipo criativo que desgarra ao humano.

Seja qual for o modelo aderido pelas legislações, os estudos multidisciplinares se mostram imprescindíveis, e vão muito além do aspecto legal, para determinar os parâmetros a serem analisados no caso de conferir direitos autorais a essas obras e como serão tratadas. Os modelos legais e ferramentais digitais, tais como: Fair Use, Transferência de Autoria (ao desenvolvedor, ao utilizador), Creative Commons buscam encontrar um ponto flexível em que haja a coexistência de múltiplos sistemas e alternativas ao retorno pelo investimento empenhado, bem como, a proteção às obras. Dessa forma, novos modelos remuneratórios e reformas legislativas na regulação dessa atividade precisam ser incorporadas, sendo qualquer mudança delicada dado o alto impacto na economia.

Voltar-se ao aspecto social nessas aplicações de inteligência artificial tanto a que mantém conteúdo ou remove das plataformas digitais, como as criações expostas em plataformas de mídia em que se remuneram os criadores de conteúdo, pois possuem a capacidade de serem de fato instrumentos arbitrários e enviesados no que se refere à manutenção de um conteúdo ou outro por quebra de direito autoral, ainda que insignificante.

Por último, não se descarta a possibilidade de que essas obras de inteligência artificial se mantenham em domínio público a fim de haja experimentação até que amadureçam os termos desse tipo de atividade e o debate entre especialistas, governos, mercado e desenvolvedores acerca do impacto nesse novo motriz criativo que desafia o antigo conceito de direito autoral.

BIBLIOGRAFIA

Burk, D. L. (2019). Algorithmic fair use. U. Chi. L. Rev., 86, 283.

Gonçalves, L. R., Lana, P. P. (2019). A autoria de obras tuteláveis pelo direito autoral por aplicações de inteligência artificial no direito brasileiro e português. Novos direitos intelectuais: estudos luso-brasileiros sobre propriedade intelectual, inovação e tecnologia.

Guadamuz, A. (2017). Do androids dream of electric copyright? Comparative analysis of originality in artificial intelligence generated works. Intellectual property quarterly.

Herr, M. (2021). The interpretation of Creative Commons licenses by US federal courts. The Journal of Academic Librarianship, 47(1), 102227.

Lana, P. (2021). Inteligência artificial e autoria: questões de direito de autor e domínio público. Curitiba: IODA.

Levendowski, A. (2018). How copyright law can fix artificial intelligence’s implicit bias problem. Wash. L. Rev., 93, 579.

LÉVY, Pierre. (1999). Cibercultura; tradução de Carlos Irineu da Costa. – São Paulo: Ed. 34.

Lu, B. (2021). A theory of ‘authorship transfer’and its application to the context of Artificial Intelligence creations. Queen Mary Journal of Intellectual Property, 11(1), 2-24.

Matulionyte, R. (2021). Australian Copyright Law Impedes the Development of Artificial Intelligence: What Are the Options?. IIC-International Review of Intellectual Property and Competition Law, 52(4), 417-443.

Miernicki, M., & Ng, I. (2021). Artificial intelligence and moral rights. AI & SOCIETY, 36(1), 319-329.

O’Neil, Cathy. (2020). Algoritmos de destruição em massa: como o big data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia tradução Rafael Abraham. — 1. ed. — Santo André, SP : Editora Rua do Sabão.

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